A torrente e o rio

Com imenso tumulto e estrondo ingente,
Das montanhas se atira uma torrente.
Ante ela tudo foge; o horror segue-lhe os passos;
Tremem, ao vê-la, os campos e os espaços.
Nunca houvera viajante
Que ousasse atravessar barreira tão possante.
Só um, sem mais, remédio, ao ver ladrões,
Põe entre eles e a si os torvos vagalhões.
Eram ameaça apenas; na verdade,
Não tinha o seu clamor qualquer profundidade.
Em nosso homem, que só o pavor sentiu,
Nova coragem o êxito infundiu.
Continuando os ladrões a persegui-lo,
Encontra mais adiante, a vedar-lhe a passagem,
Do sono mais feliz, pacífico e tranquilo.
Bem fácil julga logo a travessia:
Margens lisas, nenhuma escarpa, areia pura.
Nele entra e seu cavalo lhe assegura
Salvação dos ladrões, mas não do abismo; a fria
Onda as águas do Estinge os dois leva a tragar,
Pois ambos, infelizes em nadar,
Vão cruzar, nos domínios de Plutão,
Rios que, dos nossos, bem diversos são.
Homens quietos demais são perigosos;
O mesmo não dá com os espalhafatosos.

Jean de La Fontaine

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