Uma idosa cotovia,
Na meiga flórea estação,
Foi mais tardia que as outras
Na sua propagação;
Entre um pingue seara;
Que estava quase madura,
Tinha arranjado o seu ninho
E feito a sua postura;
Já pelos ares se viam
De novas aves cardumes,
E inda os filhos da ronceira
Estavam todos implumes.
Já seca a seara estava,
E o dono da sementeira,
Vindo vê-la com seus filhos
Lhes falou desta maneira:
"Amanhã começaremos
A ceifar os nossos trigos,
Convidai para ajudar-nos
Todos os nossos amigos."
Foram-se; e pode julgar-se
Que susto não sofreriam
Os passarinhos infaustos,
Qu'ainda voar não podiam.
Quando a mãe veio de fora,
Disseram-lhe entre alaridos:
"Não sabe, ó mãe, o que vai?
Não sabe? - estamos perdidos!
Foi o dono destes pães
Seus amigos convidar,
Para amanhã muito cedo
A ceifa principiar.
- Os seus amigos; disse ela,
A vossa agonia é vã,
Sossegai, dormi tranqüilos;
Que se não ceifa amanhã."
Assim foi; que no outro dia
Os amigos não chegaram,
Que dando ao velho desculpas
Cortezmente se escusaram.
Voltou no dia seguinte
O dono, e entrou a dizer:
"Nossos amigos faltaram,
E os trigos vão-se perder.
Para amanhã começarmos,
Ide, ó filhos, diligentes,
Dizer que venham com foices
Todos os nossos parentes."
Novos sustos, novas ânsias
Os passarinhos tiveram,
E apenas a mãe chegou,
Logo tudo lhe disseram.
"Ele convida os parentes!"
Disse a esperta cotovia, -
"Pois sabei qu'inda amanhã
A ceifa não principia."
Passou-se a manhã, e a tarde,
E nenhum apareceu,
Respondendo que deviam
Primeiro ceifar o seu.
Então, no outro dia, o dono
Disse: "em nós só confiemos,
Eu, e vós, e os nossos moços
Amanhã começaremos;
Ide, ó filhos, comprar foices
Hoje mesmo no mercado,
Que espero, que em breve,
Vejamos tudo ceifado."
Quando a cotovia esperta
Viu esta resolução,
Disse: "ó filhos, logo, e logo,
Deixar esta habitação!"
Prontamente os filhos todos
Cuadas e voltas dando,
Atrás da mãe aos saltinhos
Se foram logo safando.
Em menos de três semanas,
Até sem muita canseira,
Estava já debulhado
O trigo dentro da eira.
O velho então conheceu,
Vencendo sua demanda,
A força deste ditado:
Quem quer vai, quem não quer manda.
Jean de La Fontaine
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