A mosca e a formiga

Uma mosca importuna contendia
Com a negra formiga, e lhe dizia: 
"Eu ando levantada lá nos ares, 
E tu por esse chão sempre a arrastares: 
Em palácios estou de grande altura, 
Tu debaixo da terra em cova escura: 
A minha mesa é rica e delicada; 
Tu róis grãos de trigo e de cevada; 
Eu levo boa vida, e tu, formiga, 
Andas sempre em trabalho e em fadiga. 
A formiga lhe disse: 

"- Tu me enfadas 
Com essas tuas vãs fanfarronadas, 
Que te importa que eu ande cá de rastos 
Com desprezo das pompas e dos fastos? 
Para amparo e abrigo não há prova 
De valer mais palácio do que cova. 
O palácio é do rei ou da rainha, 
E não teu; mas a cova é muito minha; 
Eu a fiz com a minha habilidade; 
Porventura tens tal capacidade? 
Pára aqui! tuas prendas afamadas 
Não passam de zunir e dar picadas. 
No que toca a comer, os meus bocados 
Não me sabem pior que os teus guizados. 
Teus lhe chamo? - os que furtas: nesta parte. 

Vai comigo, que eu uso da mesma arte; 
Porém não vivo em ócio e em preguiça, 
Como tu, lambadeira, metediça; 
Por isso te aborrecem e te enxotam 
Com uma raiva tal, que ao chão te botam. 
Fazem-me porventura esse agasalho? 
Louvam-me em diligência e em trabalho: 
Eu faço para inverno provimento; 
Morres nele - ou por falta de alimento, 
Ou por vir sobre ti algum nordeste, 
Que para a tua casta é uma peste".

Jean de La Fontaine

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