Enquanto a sede uma pomba
Vê por um triste desastre
Cair n'água uma formiga.
Naquele vasto oceano
A pobre luta, e braceja,
E vir à margem da fonte
Inutilmente deseja.
A pomba, por ter dó dela,
N'água uma ervinha lhe lança;
Neste vasto promontório
A triste salvar-se alcança.
Na terra a põe uma aragem;
E livre do precipício,
Acha logo ocasião
De pagar o benefício.
Que vê atrás de um valado,
Já fazendo à pomba festa,
Um descalço caçador,
Que dura farta lhe assesta.
Supondo-a já na panela,
Diz: "Hei de te hoje cear!"
Mas isto a formiga astura
Lhe morde num calcanhar.
Sucumbe à dor, torce o corpo,
Erra o tiro, a pomba foge;
Diz-lhe a formiga: "Coitado!
Foi-se embora a ceia de hoje!"
De boca aberta ficando,
Conhece pois o pobre glutão
Que só devemos contar
Com o que temos na mão.
E posto enfim que haja ingratos,
Notar devemos também,
Que as mais das vezes no mundo
Não se perde o fazer bem.
A pomba e a formiga
Jean de La Fontaine
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