Uma ladina Raposa
Caiu em certa armadilha,
(Que sempre as tece o Diabo!)
E foi grande maravilha
Ficar apenas sem rabo:
Com tal perda envergonhada,
De a coonestar busca a idéia;
E as sócias vendo uma vez
Juntas em grande assembléia,
Lhes disse muito cortês:
- Sabei qu'os cães destes sítios,
- Qu'há dias tenho encontrado
- Por esta campina toda,
- Tem cércio o rabo cortado,
- Que me faz crer qu'isto é moda;
- Se é moda (falo-vos sério)
- Nunca vi cousa mais útil!
- De que serve dizei vós,
- Trazermos um peso inútil
- Pendurado atrás de nós?
- Um rabalhão gadelhudo,
- Que nos faz calma no estio,
- E lá pelo inverno todo
- Nos dobra, e exaspera o frio
- Ou cheio de água, ou de lodo?
- Por tanto eu vos aconselho,
(E deixemos questões fúteis)
- Qu'o rabo cortemos todas;
- Pois quando as modas são úteis,
- É útil seguir as modas.
Uma Doutora do rancho,
Mestra em astúcias antiga,
Lançando-lhe a vista em roda
Lhe diz - Ora aposto, amiga,
- Que tu já usas da moda?
- Deixa ver, dá meia volta,
Eis qu'então a derrabada,
Disfarçar-se não podendo,
Ao som de grande assoada,
Dando à gambias foi correndo.
Que de um delito afrontoso
Em si o ferrete imprime,
Com achar parceiros conta;
Crendo qu'a mancha do crime,
Sendo usual, pouco afronta.
Jean de La Fontaine
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