Em um bosque solitário
De funda mudez sombria,
Por lei do destino vário
Oculto, um urso vivia.
Podia perder, coitado,
O juízo - vem dele a míngua
Ao que se vê isolado
Sem ter com quem dar à língua.
É muito bom o falar,
O calar-se inda é melhor.
Dos sistemas no abusar
É que se encontra o pior.
Como no bosque recurso
Pra conversar não achava,
Aborreceu-se o nosso urso
Da vida que ali levava.
E enquanto em melancolias
Ia consumindo o alento,
Não longe passava os dias
Um velho em igual tormento.
O velho amava os jardins
Que o capricho Flora esmalta:
Belo emprego, mas dos ruins
Quando um bom amigo falta.
E, cansado de viver,
Com gente que muda nasce,
Meteu-se a caminho, a ver
Se achava com quem falasse.
Ora, quando o velho ia
Saindo para a jornada,
Do bosque o urso saía
Levando a mesma fisgada.
Encontraram-se - era cedo -
E o velho, como é de crer,
Teve medo do urso grande medo
Como teria qualquer.
Mas, por fim, julgando-o manso,
Com ele simpatizou:
"Queres jantar com descanso
No meu lar?" Ele aceitou.
Comeram; d'alma no centro
Nenhum receou perigos;
E ficam portas a dentro
Vivendo os dois como amigos.
O velho as flores regava,
Com que muito se entretinha;
O urso saía, caçava
E abastecia a cozinha.
E tanto afeto exibia,
Embora em maneiras toscas,
Que, quando o velho dormia,
Até lhe enxotava as moscas.
Mas um moscardo maldito
Apareceu, tão ruim,
Que o urso se viu aflito
Pra conseguir o seu fim;
E, de raiva furioso,
Agarra num matacão,
E esborracha o teimoso...
Sobre a tola do patrão!...
A mil iguais fulanejos
Lance a Parca a dura foice:
Querem encher-nos de beijos,
E o que dão, por fim, é coice!
Jean de La Fontaine
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