Era uma vez um oleiro, a mulher e um filho.
À medida que este crescia, os pais ficavam cada vez mais tristes, pois
ele era diferente das outras crianças.
Nunca brincava com eles; nem ria, nem cantava.
Só ficava sentado, sozinho.
Mesmo com os pais ele só falava de raro em raro, e nunca aprendeu os
modos educados das outras crianças da aldeia.
Ele ficava só sentado, pensando o dia inteiro - e ninguém sabia em que
ele tanto pensava, o que entristecia muito aos pais.
As outras mulheres tentavam consolar a mulher do oleiro, dizendo:
- Talvez você ainda tenha outro filho, igual às outras crianças!
Mas ela dizia:
- Eu não quero outro filho. Eu quero é que esse seja sociável.
E os homens da cidade tentavam animar o oleiro, dizendo:
- Esses meninos estranhos freqüentemente se tornam grandes homens!
E o homem dizia:
- Deixem o garoto em paz.
Algum dia vamos saber se ele é um homem sábio ou um idiota.
Ao chegar em casa, o oleiro contou à mulher a conversa com os outros
homens.
O menino escutou e pareceu despertar.
Ficou pensando naquilo durante alguns dias, e por fim, um dia saiu bem
cedinho, levando seu cajado, e foi para a floresta ficar lá pensando.
Perambulou o dia todo e acabou chegando a uma pequena clareira no
flanco de um morro, de onde podia avistar todo o país.
O Sol estava se pondo e sobre as gigantes montanhas azuis e tudo tinha
um luminoso tom róseo e dourado.
Profundas sombras cobriam as bananeiras e florestas ao longe.
Mas o menino não via nada disso. Estava com os pés doídos, exausto e
miserável; sentou-se sobre um tronco caído, cansado do longo dia.
De repente, um leão surgiu na clareira.
- O que você está fazendo aqui, tão sozinho? - perguntou o leão,
ríspido.
- Estou desolado! - disse o menino - e vim para a floresta pensar,
pois não sei se sou um homem ou um idiota.
- E é só nisso que você fica pensando?
- inquiriu o leão.
- É - respondeu o menino - penso nisso dia e noite.
- Então você é um idiota - falou o leão decidido - homens sábios
pensam sobre coisas que beneficiam o país.
E foi embora.
Um antílope veio saltando pela clareira e parou, encarando o menino.
- O que é que você está fazendo aqui? - perguntou.
- Estou muito desolado - respondeu o menino - não sei se sou um homem
sábio ou um idiota.
- Você costuma comer alguma coisa?
- Sim - disse o menino - minha mãe faz comida duas vezes por dia, e
eu como.
- E você alguma vez agradece?
- Não. Nunca pensei nisso - respondeu o menino.
- Então, você é um idiota. Os homens sábios são sempre agradecidos.
E foi embora para dentro da floresta.
Então chegou um leopardo, olhando-o desconfiado.
- O que é que você está fazendo aqui? - perguntou.
- Estou muito desolado - respondeu o menino - não sei se sou um homem
sábio ou um idiota.
- Eles gostam de você, lá na aldeia?
- Não, acho que não - disse o garoto. Eu nem os conheço direito.
- Então você é um idiota - disse o leopardo - todos os meninos são
bons; muitas vezes eu tenho vontade de ser um menino.
Os homens sábios se misturam aos companheiros e conquistam seu
respeito.
E foi embora, fungando.
Nesse momento, um grande elefante cinza veio se embaralhando pela
trilha da floresta, abanando o rabinho, catando um galhinho aqui, uma
folhinha ali, das árvores por onde passava.
- O que você está fazendo aqui, sozinho, com o Sol já se pondo? Você
devia estar na sua casa, na aldeia! - falou o elefante.
- Estou desolado - disse o menino - não sei se sou um homem sábio ou
um idiota.
- Que tipos de trabalhos você faz? - perguntou o elefante.
- Eu não trabalho em nada - respondeu o menino.
- Então você é um idiota - disse o elefante - todos os homens sábios
trabalham.
E afastou-se gingando pela trilha que levava ao lago da floresta, onde
os animais matam a sede.
O menino apoiou a cabeça nas mãos e chorou amargamente, de coração
partido, pois já não sabia o que fazer.
Pouco depois, ouviu uma voz ao seu lado, dizendo gentilmente:
- Oh meu irmãozinho, não chore assim; conte-me o seu problema.
O menino viu então uma pequena lebre ao seu lado.
- Estou muito triste. Eu não sou como as outras pessoas e ninguém
gosta de mim. Vim para cá tentar descobrir se sou um homem sábio ou
idiota e todos os animais me falaram que sou idiota!
E chorou mais do que antes.
A lebre deixou-o chorar e depois falou:
- Não chores mais. O que os animais falaram é verdade.
Disseram para você ser agradecido... Ter pensamentos grandiosos... Ser
simpático com as outras pessoas... Trabalhar...
Todas essas coisas são sábias.
Os animais não são ociosos e ficam admirados ao ver que os homens, tão
bem-dotados,
conseguem desperdiçar suas vidas.
Pense em como ficaram surpresos ao ver um menino como você, forte e
saudável, sem fazer nada o dia inteiro!
Eles sabem que o mundo estará a seus pés,
se você comandar.
Mas há muito tempo ainda: você é um menino!
O Sol já desaparecera atrás das montanhas distantes e a mansa
escuridão ia cobrindo rapidamente toda a floresta.
A lebre disse:
- Você está cansado, com fome e longe de casa.
Passe a noite aqui comigo, para conversarmos.
Então, entraram pela floresta.
A lebre trouxe água numa cuia e maravilhosas nozes para o menino se
alimentar e preparou-lhe uma cama macia com folhas secas.
Conversaram sobre muitas coisas e o menino disse:
- Meu pai é oleiro e acho que gostaria de ser oleiro também.
- Se você for, nunca se contente com trabalho malfeito - disse a lebre
- seus potes podem ser os melhores do país. Não descanse até conseguir
fazer coisas realmente lindas.
Nenhum homem tem o direito de espalhar coisas malfeitas pelo mundo.
A VIDA DO HOMEM É COMO UM RIO...
FLUINDO SEM PARAR...
O que passou, acabou-se
MAS
SEMPRE VÊM OUTRAS ÁGUAS.
Ninguém pode dizer que é tarde demais, ainda mais você, com a vida
toda pela frente.
E só os idiotas ficam desencorajados pela zombaria.
"A aurora prateada as sombras dissipou;
aos sonhos alegres, adeus eu dou.
A multidão da floresta já amanheceu;
nas árvores, o canto dos pássaros ecoou,
do longo sono, toda flor despertou;
e eu sei hoje o mundo é meu.
Meu passo é seguro e forte é minha mão;
enquanto puder, muito vou trabalhar.
Quando num mar de luz o Sol se apagar
e a noite trouxer a escuridão
por direito, vou então descansar,
pois hoje o mundo eu vou ganhar."
De manhã bem cedo, a lebre acompanhou o menino até a orla da floresta
e fizeram um juramento de amizade, tão sagrado para os animais quanto
para os homens.
A lebre falou:
- Volte de vez em quando para me ver. Venha até esse ponto e cante
essa canção;
os passarinhos me avisarão e eu lhe esperarei.
O menino voltou animado para casa e encontrou a mãe trabalhando na
horta.
Ele a cumprimentou tão alegre como qualquer outra criança simpática, e
viu que ela ficou feliz.
Depois foi ter com o pai e disse:
- Quero ser oleiro. Vou tentar aprender.
O pai ficou muito contente.
Todos na aldeia ficaram sabendo e alegraram-se com o casal e seu
menino.
O menino trabalhava com afinco e anos mais tarde
tornou-se um oleiro famoso. Vinha gente de todas as regiões comprar
seus potes, que sempre eram bem-feitos e bonitos.
Contudo, quando vinha uma depressãozinha, ele se recolhia para a
floresta e lá encontrava-se com sua amiga lebre.
Passavam o dia juntos.
O homem abria seu coração para a amiga, contando todas as suas
tristezas.
E sempre recebia amor, carinho, consolo e encorajamento,
voltando ao trabalho cheio de esperança.
Fábula de Uganda
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