A rã e o rato

Quem quer embaçar os outros 
Muita vez fica embaçado; 
Afirmando esta sentença 
Merlim foi inspirado. 

Um rato, a estourar de gordo, 
Pois quaresmas não guardava, 
À margem de uma lagoa 
Seus pesares espalhava. 

Certa rã se lhe aproxima 
E lhe diz no seu calão; 
"Vinde a casa visitar-me; 
Dar-vos-ei uma função!" 

O rato aceita, de pronto, 
Sem cerimônia fazer; 
As vantagens do passeio 
Põe-se a rã a encarecer. 

Narra as delícias do banho, 
Os prazeres da viagem, 
Raridades da lagoa 
E a pitoresca paisagem. 

"Contareis aos netos (disse) 
Qual da lagoa a pragmática, 
E a política da terra, 
Onde reina a gente aquática." 

Mas... surgia um embaraço; 
- O rato pouco nadava, 
E, para sulcar as águas, 
De ajudante precisava. 

Eis à rã um meio acode: 
O pé do rato ligou 
A seu pé, com certo junco, 
Que ali mesmo deparou. 

Logo que a boa comadre 
Sai da margem, a nadar, 
Ao fundo dágua forceja 
O seu hóspede arrastar. 

Contra a santa fé jurada, 
Contra o Direito das Gentes, 
Quer matá-lo e já supunha 
Trincá-lo assado entre os dentes. 

Ouvindo-a invocar os numes, 
Dele a pérfida escarnece: 
Ele resiste; ela puxa; 
E o rato já desfalece. 

Pairava um milhafre e, vendo 
O rato que se debate, 
Sobre o mísero do chôfre, 
Veloz, qual seta, se abate; 

Arrebata-o pelos ares 
E com ele a rã também; 
Pois, ligada ao pé do rato, 
Pelo junco ela se atém. 

Garboso dessa caçada, 
A presa dupla alardeia. 
Contente de haver pilhado 
Peixe e carne para a ceia. 

Pode um bem forjado embuste 
Prejudicar o embusteiro; 
Muiras vezes o feitiço 
Vira contra o feiticeiro.

Jean de La Fontaine

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