A raposa e a cegonha

Quis a raposa matreira, 
Que excede a todas na ronha, 
Lá por piques de outro tempo, 
Pregar um ópio à cegonha. 

Topando-a, lhe diz: "comadre, 
Tenho amanhã belas migas, 
E eu nada como com gosto 
Sem convidar as amigas. 

De lá ir jantar comigo 
Quero que tenha a bondade; 
Vá em jejum porque pode 
Tirar-lhe o almoço a vontade." 

Agradeceu-lhe a cegonha 
Uma of'renda tão singela, 
E contava que teria 
Uma grande fartadela. 

Ao sítio aprazado foi, 
Era meio-dia em ponto, 
E com efeito a raposa 
Já tinha o banquete pronto. 

Espalhadas num lajedo 
Pôs as migas do jantar, 
E à cegonha diz: "comadre, 
Aqui as tenho a esfriar. 

Creio que são muito boas - 
Sans façon - vamos a elas." 
Eis logo chupa metade 
Nas primeiras lambidelas. 

No longo bico a cegonha 
Nada podia apanhar; 
E a raposa em ar de mofa, 
Mamou inteiro o jantar. 

Ficando morta de fome, 
Não disse nada a cegonha; 
Mas logo jurou vingar-se 
Daquela pouca vergonha. 

E afetando ser-lhe grata, 
Disse: "comadre, eu a instigo 
A dar-me o gosto amanhã 
D'ir também jantar comigo." 

A raposa labisqueira 
Na cegonha se fiou, 
E ao convite, às horas dadas, 
No outro dia não faltou. 

Uma botija com papas 
Pronta a cegonha lhe tinha; 
E diz-lhe: "sem cerimônia, 
A elas, comadre minha." 

Já pelo estreito gargalo 
Comendo, o bico metia; 
E a esperta só lambiscava 
O que à cegonha caía. 

Ela, depois de estar farta, 
Lhe disse: "prezada amiga, 
Demos mil graças ao céu 
Por nos encher a barriga." 

A raposa conhecendo 
A vingança da cegonha, 
Safou-se de orelha baixa, 
Com mais fome que vergonha. 

Enganadores nocivos, 
Aprendei esta lição. 
Tramas com tramas se pagam, 
Que é pena de Talião. 

Se quase sempre os que iludem 
Sem que os iludam não passam, 
Nunca ninguém faça aos outros 
O que não quer que lhe façam.

Jean de La Fontaine

0 comentários:

Postar um comentário