Em um vale aos pés de uma montanha, às margens de um regato, existia uma árvore muito grande e formosa. Tinha galhos fortes e folhas sempre verdes.
Na primavera enchia-se de flores, que no outono transformavam-se em frutos deliciosos.
Nos dias quentes de verão oferecia ampla sombra a quem se abrigava sob suas ramas, e nos dias frios de inverno, durante fortes ventanias, o balançar de suas folhas era como uma sinfonia da Natureza.
Famílias de pássaros construíam seus ninhos por entre seus galhos aconchegantes e protetores. A árvore vivia feliz.
Em uma tarde de primavera, ela recebeu a visita de alguém diferente: um rapaz bonito, com belos olhos negros, que aparentava ter algo especial, algo que ela não sabia explicar. Ele sentou-se sob a árvore, recostou-se em seu tronco e ali passou a tarde toda pensando, observando tudo ao redor.
De vez em quando, tomava do lápis e papel que trazia consigo e fazia longas anotações, que logo em seguida lia repetidamente, com voz que soava como música.
A árvore olhava para o rapaz curiosamente. Gostou tanto dele que fez cair de um de seus galhos uma florzinha que pousou delicadamente no colo do moço. E foi com grande alegria que ela o viu pegar a flor, cheirá-la e guardá-la entre seus papéis, como sinal de que o presente fora aceito.
Quando ele levantou-se para ir embora, ela balançou suavemente seus galhos numa saudação de despedida, e ao vê-lo caminhando, afastando-se dela, sentiu algo diferente em seu coração de árvore: uma sensação gostosa, que queimava, agitava e tranquilizava ao mesmo tempo. E desejou ver o moço novamente.
No dia seguinte, quase à mesma hora, ele apareceu. Disse um "olá, amiga árvore", que a fez tremer de admiração, mas também de alegria. Afinal, nunca nenhum humano havia falado com ela, somente os pássaros, as borboletas, as flores, o vento... E isso a cativou um pouco mais.
E no outro dia ele veio de novo. Conforme os dias passavam, ela acostumou-se com as visitas de seu novo amigo, e aprendeu a amá-lo. Nos dias em que ele não aparecia, ela sentia algo que não conhecia até então, a "saudade".
Entre eles nasceu uma amizade muito linda. Ele chegava, saudava-a, às vezes alegremente, outras vezes mais triste, dependendo do que se passava em sua alma naquele dia.
Conversava com os pássaros que habitavam na árvore, pássaros que também passaram a gostar muito dele, de verdade. Por isso, por vezes entoavam lindas melodias enquanto ele escrevia. Mas quando ele começava a ler em voz alta aquilo que tinha escrito, até o vento se calava para escutar tantas palavras mágicas e melodiosas.
Em noites de Lua cheia, a árvore percebia com alegria um vulto que se aproximava, pois sabia tratar-se de seu amigo que gostava de admirar o luar em sua companhia.
Quando o outono chegou e as flores tornaram-se frutos, o rapaz subia em seus galhos, e ali ficava a deliciar-se com os frutos tão suculentos, mais doces agora, pois ela os adoçava somente pra ele.
Depois de comer, ele deitava-se sob sua sombra e dormia um pouco. Nesses instantes, a árvore aproveitava para tocar seu rosto com suas folhas, numa carícia de amor.
Dia-a-dia aquela relação de amor e amizade fortalecia-se. Ela adorava a sensação de vê-lo chegar, e gostava até de sentir saudade quando ele ia embora, pois sabia que aquilo era uma das consequências do amor.
Mas um dia ele partiu e nunca mais voltou... Passou um dia, dois, três, e muitos outros dias, e ele não aparecia. A árvore começou a inquietar-se, pois aquilo nunca tinha acontecido antes. Ele nunca tinha passado tanto tempo longe dela. O que estaria se passando? A cada dia ela ficava mais e mais preocupada, e seu coração doía muito, como se estivesse sentindo que algo de grave estava acontecendo.
Um dia, não mais suportando a saudade e a dúvida, pediu aos pássaros moradores de seus galhos para voarem até o povoado onde ela sabia que morava o rapaz, para obterem alguma informação sobre seu paradeiro.
Os pássaros a atenderam prontamente.
Em um pequeno bando, voaram até o vilarejo à procura do rapaz. Saíram logo pela manhã e se demoraram um dia inteiro nesta procura.
Ah, que espera angustiante para a pobre árvore! Durante o dia inteiro ela não desgrudou os olhos do céu, esperando pelos pássaros com as notícias de seu amor.
No finalzinho da tarde, quando o Sol já se despedia e o vento anunciava a chegada da noite, os pássaros retornaram. Estavam cabisbaixos, tristes, e mal conseguiam olhar para a árvore.
Ela sentiu uma pontada no peito, pois sabia que as notícias não seriam nada boas. E seu coração estava certo, pois o que os pássaros lhe trouxeram foi a notícia mais triste e terrível que ela poderia receber: seu amigo estava morto!
- Não, não, não! Não pode ser verdade! - gritava desesperadamente a árvore!
Ela não podia acreditar no que estava ouvindo! Sentiu uma dor dilacerante, como se dez machados a estivessem ferindo ao mesmo tempo! Cada folhinha de seus galhos doía, e até as flores lhe pareciam pesadas demais. Que dor era aquela, que a sufocava, torturava, como se estivessem lhe queimando viva?
Ela chorou, chorou, a noite inteira, sem cessar. Todas as criaturas da noite entristeceram-se ao testemunhar o sofrimento da árvore. Até a Lua, do alto de sua majestade, chorou.
Pela manhã, a árvore parou de chorar, mas estava tão triste que não sentia mais vontade de viver. Viver para quê, se nunca mais veria seu amigo chegando, nunca mais receberia seu sorriso, nunca mais escutaria sua voz doce recitando seus poemas? Viver sem ofertar-lhe seus frutos e flores, sem admirar a Lua com ele, sem aconchegá-lo em sua sombra, sem velar seu sono? Não, ela preferia morrer.
E assim, todos que ali perto estavam presenciaram uma cena rara: em plena primavera, a árvore deixou cair todas suas folhas e flores, como se estivessem em pleno inverno. Nada restou em seus galhos, somente a tristeza.
Os pássaros foram obrigados a sair dali, mudaram-se para as árvores próximas, para poderem continuar perto de sua amiga de tanto tempo. Que tristeza era vê-la acabando-se daquele jeito!
Seus amigos tentaram de tudo para animá-la, para fazê-la reagir, tudo em vão. Nada adiantava, e a árvore morria aos poucos. Seus galhos não mais apontavam para o céu, estavam quase encostando no chão, como se ela não tivesse forças para suportar seu próprio peso. E estava também cada vez mais seca, por mais que a mãe Natureza enviasse chuva para nutri-la. Ela tinha perdido a alegria de viver, desejava ardentemente morrer como seu amigo.
Até que um dia, aos primeiros raios do Sol, quando os pássaros despertavam, com sua algazarra matinal de costume, apareceu um pássaro de beleza incrivelmente exuberante. Era pequenino, aparência frágil, olhinhos negros e penas alaranjadas com pontas vermelhas, que reluziam como ouro sob os raios do Sol! Não havia no mundo inteiro um pássaro tão belo como aquele! E ele pousou exatamente na árvore seca e praticamente morta. O contraste era tremendo: a ave aparentava ser ainda mais bela e encantadora, pousada naquele monte de galhos secos e pendentes.
Pois ele ali pousou, ficou um tempo em silêncio, mas logo tomou fôlego, agitou o corpinho e soltou o mais belo canto que a Terra já ouviu! Foi impressionante! Todos os pássaros da região calaram-se para ouvir aquele doce trinado, hipnotizados por tamanha beleza.
E foi então que a mágica aconteceu: a árvore, que há muito tempo não dava sinal de vida, estremeceu e abriu os olhos lentamente, para ver de onde vinha aquele gorjeio de pura magia.
Quando viu aquele pássaro tão majestoso e simples ao mesmo tempo, com tamanho brilho em suas penas, e de olhos tão vivos, ela reconheceu imediatamente o seu amigo. Era ele! Com certeza era ele! Somente ele poderia trazer ao mundo um canto tão mavioso!
- É você, amigo meu? Você voltou para mim? - perguntou ela, quase explodindo de alegria, pois já sabia a resposta.
E a resposta veio em forma de um sorriso e mais um canto para encantar o mundo.
Então ela entendeu que todas as suas preces haviam sido atendidas e por isso ele estava de volta. A alma do poeta estava agora habitando o corpo do pássaro, fora um presente de Deus para ela.
E um novo milagre aconteceu: assim como perdera todas as folhas e flores num único dia ao saber da morte do rapaz, agora, para alegria de seus amigos, em poucos minutos ela recuperou cada folha, cada flor, cada fruto. E tornou-se ainda mais formosa e frondosa! Suas flores estavam ainda mais perfumadas, seus frutos mais doces, suas folhas mais verdes, seus galhos mais fortes. Cada pedacinho da árvore irradiava pura felicidade! A Natureza estava em festa!
Agora ela era feliz novamente, como no princípio daquela amizade recheada de amor.
O rapaz, agora pássaro, não mais escrevia poesias, mas compunha melodias tão lindas que eram como se fossem compostas para os anjos e fadas. Mas ela sabia que cada nota daquelas canções eram feitas para ela, somente para ela, e quando o mundo calava-se para ouvi-lo cantar, ela sabia que ele cantava só para fazê-la feliz.
E tudo porque, nesse mundo, ninguém amou com tanta intensidade como ela amou...
Alethéia Giselle Leonel de Almeida Schnitze
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