A tartaruga e os dois patos

Estava enfastiada a tartaruga 
Da negra e estreita toca em que vivia, 

Por isso, um belo dia, 
Apoderou-se dela 
O desejo profundo 

Do abandono à casa e correr mundo 
A todos bem parece a terra estranha, 
E sempre foi notória a grande sanha 

Que o coxo tem à casa. 

A dois patos foi ela então dizer 
A viagem que tinha projetado. 

Solene, autorizado, 
O par lhe respondeu: 

"Tens aberto o caminho, 
E nós te levaremos 
A um sítio que sabemos; 

Verás muito país e muitas gentes, 
Repúblicas e reinos florescentes. 

Terás muito que ver 
E muito que aprender. 

Ulisses muito aproveitou com isso." 

Os dois eram espertos, 

E expeditos ao ajuste do serviço, 
Que iam prestar à pobre tartaruga. 
Foram logo fazer de um pau nodoso 

Tirado de uma árvore, 
Um engenho famoso, 

A fim de transportar a viageira. 

Agarra-se cada um 

Valentemente a cada extremidade, 
E apresentando o meio à tartaruga, 
Disseram-lhe, com grande autoridade: 
"Ferra aqui e não largues!" 
A mísera assim fez, 
Sem de leve temer 
O que ia suceder 
E foram pelos ares... 

"Milagre! Gritam todos os que vêem: 
Tartaruga voar é caso estranho. 
Decerto que tem em si poder tamanho, 
Que não cabe no mundo!" 

A tartaruga, enfautada e louca, 
Para responder vai abrir a boca, 

Melhor fôra calada, 
Pois logo num momento 
Caiu arrebentada, 
Aos pés do povo atento. 

Vaidade, presunção, muita palavra 
Reveladora do apoucado siso, 
Tem a mesma origem, 
Da mesma fonte brotam.

Jean de La Fontaine

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