O ratinho e a mãe

Certo ratinho inda novo,
Lá da toca onde nasceu,
A vez primeira saiu;
E quando se recolheu,
Contou à mãe quanto viu.

Disse: "Apenas saí fora,
Para o casal mais vizinho,
Trotando me encaminhei,
Meti-me num buraquinho,

E dali tudo espreitei.
Vi, ó mãe, dois grandes bichos,
Diferentes na figura,
Defronte da mim andar;
Um respirava doçura,
O outro fez-me trepidar!

Este d'um gorro vermelho
Ornava a cabeça esguia,
Que as orelhas tinha em baixo
Só com dois dentes comia,
Tendo por cauda um penacho.

Andava em dois pés, e tinha
Em cada perna um ferrão;
Em si c'os braços bateu,
Desatou voz de trovão,
Que de horror me estremeceu!

Pelo contrário, o primeiro,
Era da nossa figura,
Com modéstia passeava,
Tinha meiguice e doçura
Na mansa voz que soltava.

Era o seu rosto redondo,
Barba hirsuta, olhos luzentes,
Curta orelha e nariz chato,
Ralo e brancos os dentes,
Quase era o nosso retrato.

Tanto me encantou seu modo,
Que fora a seus braços ter,
Se a tal fera, ímpia e feroz,
Me não fizesse deter
Com susto da sua voz!

- Ah! filho, a mãe lhe tornou,
Quanto a aparência te engana!
Essa figura adorável
É duma fera tirana,
Nossa inimiga implacável!

Se lhe caísse nas unhas,
Em postas serias feito!
Finge doce mansidão,
Chama-se gato, no peito
Guarda um feroz coração!

É diferente o segundo
Que te deu susto mortal!
Tendo um aspecto feroz,
Se nos vê não nos faz mal.
E é benigno para nós.

Galo se chama, e nos pode
Servir de pasto alguns dias;
Olha como te enganavas!
Ao bom por susto fugias,
Ao mau por gosto buscavas!

Uma doçura afetada
É fruto da hipocrisia.
Sirva ao mundo esta lição:
Quem de aparências se fia,
Gosta da sua ilusão.

Jean de La Fontaine

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