O leão, o lobo e a raposa

Adoeceu o leão, e o visitava
Tudo; só a raposa ali faltava:
Tomou daqui o lobo fundamento
De acusá-la de tal procedimento,
Dizendo que merecia ser castigada,
Pois mostrava que tinha o rei em nada.

A raposa chegou ao mesmo ponto,
Ouviu, e disse - "Cala, que és um tonto:
Como eu só com o ver não dou saúde,
Andei por lá lidando quanto pude,
Para achar-lhe remédio competente.
Acheio-o, do que venho bem contente.
Um médico que é muito exp'rimentado,
Me disse que o remédio mais provado
Era que logo um lobo se esfolasse,
E que o meu rei na pele se embrulhasse".

Fez-se assim, e a raposa quando via
Já o lobo esfolado, lhe dizia:
"Pois, amigo, não vês já que delira
Quem rei contra vassalo mete em ira?
Se tu fosses um lobo de prudência,
Havias persuadí-lo à paciência.

Não deves ser assim, mas a vingança
É recurso ordinário do ofendido:
Há raro neste lance comedido,
E menos em matéria de privança.

Cada qual para a sua segurança,
De intrigas anda aí sempre munido:
Quando um faz por ver outro decaído,
Sucede que sobre ele este se lança.

Por isso cada qual tenha cautela
Em que lhe não pareça depois duro
Ter armado a armadilha, e cair nela:
Há quem vê inda o laço mais escuro,
Quem volte contra o dono a esparrela;
Assim o não armá-la é o mais seguro.

Jean de La Fontaine

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