As orelhas da lebre ou a opinião da corte

Cornígero animal feriu co'as pontas
O leão, que em furor todo abrasado
Baniu, para forrar-se a iguais desfeitas,
A todo bicho de armação dotado.

Alces e touros, cabras e carneiros
O beco incontinente despejaram;
A toda a pressa, gamos e veados
Outros lares e climas demandaram.

Vendo a lebre as orelhas pela sombra,
Temeu que alguém, achando-as mui compridas,
Por chifres as tomasse e sem recurso
Fossem, na corte, a chifres reduzidas.

"Vizinho grilho, disse;
Adeus; eu vou-me embora.
Orelhas por chavelhos
Hão de tomar-me agora."

"Chavelhos isto? Cuidas
Que tolo sou? Não vês
Que são boas orelhas,
Tais como Deus as fez?"

Lebre

"Qual! Teimarão ser pontas
E pontas de unicorne;
Posto que são orelhas,
Sempre a dizer-lhes torne.

Razões, protestos, queixas,
Ninguém me há de escutar;
De louca hão de tratar-me;
No hospício irei parar." 

Jean de La Fontaine

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