O burro e o cãozinho

Quem com graça não nasceu
Não se meta a engraçado:
Olhe o caso que se deu
Com certo burro estafado
De trabalho e de pancadas.
Notando quanto estimadas
Eram dum cãozinho as graças,
Que todos delas se riam,
Não atendendo a que as raças
E os tamanhos diferiam,
Na grande sabedoria
De que nascera dotado,
Imaginou que seria
Do mesmo modo estimado.
O momento aproveitando
Em que vê estarem folgando,
Os patrões com o tal cãozinho,
Entra na sala zurrando,
Aos coices e pretendendo
Dar o seu lindo pézinho,
Às caras a pata erguendo.
Imaginem em que estado
Ficaram todos na sala!
Cai a senhora sem fala!
"- Acudam!" gritam, aflitos:
"Acudam já
Com um arrocho!
Que está Danado
O carocho!"
(Por seu preto assim chamado),
Ouvindo tamanhos gritos
De terror,
Um labrego, seu mentor,
Que, dando-lhe a palha e a erva
Não lhe sofria tolices,
Qual a doutora Minerva
Ao filho do sábio Ulisses,
Acabando com as meiguices
Fez calar logo o cantor
E pôs na folia ponto
Com um bom rufo de tambor
No lombo do burro tonto.

Moral da Estória:
Não devemos nunca forçar nossas qualidades ou virtudes. 

Jean de La Fontaine

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