O veado e os cães

Numa fonte que corria,
Certo dia,
Um estólido veado
Retratado
No cristal puro se via.
Em segredo
Celebrava a celsa frente
Adornada lindamente
Dum ramífero arvoredo.
Mas se a frente celebrava,
Lamentava,
A magreza assaz mesquinha
Que nas longas pernas tinha
Que podiam parecer
Quatro fusos de torcer.
Eis que, nisto,
Um sabujo mui previsto
Deu com ele.
O levíssimo veado,
Assustado,
Por querer salvar a pele,
Meteu pernas tão ligeiro,
Que o rafeiro
Já mui longe lhe ficava;
E escapava,
Se entrar numa selva escura
Não quisesse o miserando;
Que a cornífera armadura
Encalhando
Entre os ramos da espessura,
O prendia,
Lugar dando ao que o seguia,
Que chegasse
E no lombo lhe ferrasse.
Os seus chifres esgalhados,
Tão louvados,
Que lhe ornavam tanto a frente,
Lhe empeceram totalmente
O proveito
Que seus pés lhe tinham feito;
Mal olhados
Por esguios e delgados.
Neste aperto se desdisse
Sem conforto
O veado semimorto,
E maldisse
Da ramação, que viu na testa,
A beleza sedutora,
Que lhe fora
Tão funesta!
Muitas vezes maldizemos
O que é útil,
E o vistoso engrandecemos,
Bem que fútil.
Eis o exemplo demonstrado
No veado. 

Jean de La Fontaine

Um comentário:

  1. As fábulas sempre nos ensinam muito e de uma forma bem agradável...
    Um abraço

    ResponderExcluir