O cavalo e o lobo

Na linda estação das flores,
Às horas do meio dia,
Brioso, esperto cavalo
A verde relva pascia.

Dum bosque vizinho um lobo
Botando-lhe o luzio, diz:
"Quem te come essas carnes
É por extremo feliz!

Ah! Que se fôras carneiro,
Ou mesmo burro, ou vitela,
Já marchando me andarias
Pelo estreito da goela;

Mas és um castelo! E assaz
Temo a tua artilharia!
Vou bloquear-te, e do engano
Fazer logo a bateria".

Então do bosque saindo
Em passo lento e miúdo,
De largo diz ao cvalo:
"Camarada, eu te saúdo;

Respeita em mim um Galeno,
Que passa a vida a curar,
Que das ervas as virtudes
Sabe aos morbos aplicar;

Aposto que tens moléstias,
E porque na cura erraram,
Tomar ares para o campo,
Como é uso, te mandaram.

Se quiseres que eu te cure,
Ficarás são como um pero;
Grátis, que bem entendido,
Paga de amigos não quero".

O cavalo conhecendo
A malícia do impostor,
Diz-lhe: "O céu lhe pague o bem
Que me faz, senhor doutor;

É verdade que eu padeço,
Há nove dias ou dez,
Um tumor e uma ferida,
Tudo nas unhas dos pés.

"- Bem que essa doença toque
A cirurgia somente -
Diz o lobo - eu nesse ramo
Sou um prático eminente!"

Torna-lhe o fingido enfermo:
Pois então, senhor doutor,
Chegue-se a mim, que eu me volto,
Venha apalpar-me o tumor".

Pois não filho! Diz-lhe o lobo,
E a fim de o filar se chega;
Mas, de repente, o cavalo
Dois grandes coices lhe prega:

Acerta-lhe pela frente,
Faz-lhe o focinho num bolo;
E o lobo exclama: "É bem feito!
Quem me manda a mim ser tolo?"

Mete pernas como pode,
Dizendo um tanto enfadado:
"Como a breca as arma! - fui
Buscar lã; vim tosquiado!

De carniceiro a ervanário
Quis passar sem que estudasse;
Levei da toleima o prêmio;
Cada qual para o que nasce!" 

Jean de La Fontaine

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