Ratinho muito novo,
Bisonho, imprevidente,
Salvou-se, por milagre,
De um trágico incidente,
Ouvi de que maneira
À sua mãe contou
O que lhe acontecera,
Enquanto fora andou:
"Tendo transposto os montes,
Que são do Estado a raia,
Trotava, qual ratinho,
Que vai, solto, à gandaia.
Eis que meus olhos fitam
Dois animais notáveis;
Um, gracioso e meigo,
De gestos agradáveis;
O outro, turbulento,
Nunca em sossego estava;
Tinha uma voz ingrata
Que pelo ouvido entrava.
Carnosa saliência
Na fronte lhe tremia;
Uns como braços largos
Aos lados sacudia:
Parece, quando os move,
Que o vôo, erguer intenta.
Em forma de penacho
Vaidoso a cauda ostenta.
(Crendo de um bicho estranho
Fazer este retrato,
Era de um galo novo
Que à mãe falava o rato.)
Batia nas ilhargas
Cos braços tal pancada,
Fazendo grande bulha
E tanta matinada,
Que eu mesmo (Deus louvado!)
Campando de animoso,
Fugi, a praguejá-lo,
Atônito e medroso.
Teria, a não ser ele,
Entrando em relações
Co tal animalzinho,
Tão doce de feições.
De aveludado pêlo,
Como os de nossa casta,
É todo mosquetado
E longa cauda arrasta.
Parece que nos vota
Simpática ternura,
Pois tem, iguais às nossas.
Orelhas e figura.
Mostra aparência humilde;
Modesto é seu olhar,
Posto que o visse, às vezes,
Em chispas cintilar.
Ia travar conversa;
Eis solta o batedor
Tão estridente grito,
Que fujo de pavor".
"Escuta, diz a rata;
O tal açucarado
É meu filhinho, um gato,
Hipócrita chapado.
Sob enganoso aspecto
Ódio mortal disfarça
À toda a gente rata,
Por esse mundo esparsa.
Desse, de quem fugiste
Não pode mal provir.
Talvez seu corpo venha
De ceia a nos servir.
Das refeições do outro,
- Ó pérfido animal -
É nossa carne, ó filho,
A peça principal".
Que vezes aparências
Enganadoras são!
Não julgues pela cara;
Sim pelo coração.
Jean de La Fontaine
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