As duas panelas

Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:
- Bela tarde para um giro pela horta! A cozinheira não está e até que venha, teremos tempo de dizer adeus à alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?
- Com todo o prazer! - respondeu a panela de barro lisonjeadíssima de honrosa companhia.
- Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que "ela" venha.
Assim fizeram, e lá se foram as duas desajeitadonas gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidade para com as hortaliças.
- Bom dia, dona Couve! Comendador Repolho, como passas! Coentrinho, adeus!
No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.
- Ai que me trincas! exclamou esta.
- Não foi nada, não foi nada...
Uns passos a mais e novo choque.
- Ai que desbeiças, amiga!
- Em casa arruma-se, não é nada...
Minutos depois terceiro esbarrão, esse formidável.
- Ai! Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!
E a mísera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.

José Bento Monteiro Lobato

Um comentário: