Certa vez, por um triste
capricho da Fatalidade,
o poder do mundo foi cair nas
mãos odientas da
Vulgaridade.
Que fez a Vulgaridade
ao subir ao trono?
Resolveu destruir e
aniquilar a sua perigosa
rival - a Beleza.
Chamando o Tédio,
seu servo predileto,
disse-lhe a execrável soberana:
- Detesto a Beleza!
Quero fazê-la desaparecer
da face da terra.
Tens ordem para prendê-la e
matá-la de qualquer modo.
O Tédio respondeu:
- Escuto e obedeço,
senhora! Mas, afinal,
como é a Beleza?
Como poderei encontrá-la,
se não a conheço?
- Ora, nada mais simples
- tornou a Vulgaridade - interroga um poeta qualquer e
logo saberás
como é a Beleza.
Partiu o Tédio.
Encontrando um poeta
interpelou-o:
- Como é a Beleza?
Sem hesitar, respondeu o poeta:
- Ainda ignoras?
A Beleza é loura,
de olhos azuis da cor do céu;
sua pele?
É clara e rosada, as suas mãos...
- Basta! Tudo o mais que disseres seria
fastidioso e inútil.
Já sei bem como é a Beleza. Vou descobri-la por
mas oculta que esteja.
E o Tédio partiu em
busca da Beleza...
Depois de muito caminhar,
chegou aos país de Moab,
para além do grande deserto.
Um camponês repousava
sob uma árvore.
- Terás visto, por aqui - perguntou o Tédio - a Beleza que procuro?
- Queres descobrir a Beleza! - exclamou o camponês - ei-la precisamente ali,
ó forasteiro!
E apontou na direção de uma
jovem que se encaminhava
para a ponte, levando ao ombro
um pequeno cântaro.
O Tédio procurou certificar-se.
A graciosa rapariga era morena,
de olhos verdes e cabelos castanhos
como as filhas de Judá!
Mas como diferia da que fôra
descrita pelo poeta!
Não, não podia ser a Beleza!
- A Beleza fugiu para a China!
- informou um peregrino.
Seguiu o Tédio para a China e
indagou de um rico mandarim
que soltava papagaios de seda:
- Senhor! Teria a Beleza aparecido
em vossa terra?
- Apareceu, sim - replicou, alegre,
o mandarim - ei-la!
E com o seu dedo de unha longa e
angulada, apontou para
uma rapariga ocupada em
fabricar lanternas de papel.
O escravo da Vulgaridade
preparou-se para executar
a ordem que recebera.
Enganara-se, porém,
o informante.
A jovem que o mandarim
indicara era pálida, esguia,
tinha os olhos amendoados,
os cabelos negros e ondulados.
Não; aquela não
podia ser a Beleza!
O Tédio deixou o país dos chins e
foi em busca de outros climas.
Diante dele a Beleza fugia sempre,
ocultando-se astuciosamente.
Todo o seu esforço tornou-se inútil.
Não conseguiu encontrar e
destruir a Beleza!
Eis porque a Beleza florece e
domina, sob aspectos
tão diversos, quando a observamos,
nos inconquistáveis
recantos e países do mundo.
Aqui é morena e tem olhos negros,
mais adiante é
loura de claros olhos de anil.
Aqui é viva e alegre,
para, além, surgir
sentimental e terna!
É que a Beleza, para fugir
do mal do Tédio e
ao perigo da Vulgaridade,
varia sempre e sem cessar.
Malba Tahan
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