O falcão e o capão

Muitas vezes a voz que te chama é desleal:
Ter pressa só pode causar mal.
Não era um tolo, crê-me, o cão
Proverbial que fugia ao ser chamado.
Um galinho do Mans, capão de profissão,
Apresentar-se é convocado
Perante os deuses lares do patrão,
Ao pé de um tribunal que chamamos fogão.
Todos gritavam, para disfarçar:
Vem cá, bichinho, vem! Em vez de se fiar,
O espertalhão-e-meio a atender não se arrisca.
- Criados - diz - grosseira é vossa isca.
Assim, ninguém me há de pegar.
Entretanto, um falcão, empoleirado, via
O falo que fugia.
Pouquíssima confiança em nós têm os capões,
Quer por instinto, quer por mais sábias razões.
Só a custo seria este apanhado
Para, após, figurar em grande refeição
Que ele dispensaria de bom grado.
- A tua incompreensão me causa espanto até -
Diz-lhe a ave caçadora - és mesmo da ralé,
Gente rude, imbecil, incapaz de aprender.
Eu sei caçar e sei a nosso amo volver.
Ei-lo à janela. Espera-te não vais
Obedecer-lhe? És surdo? Escuto bem demais - torna o capão - porém, que quer ele falar-me,
Ou o cozinheiro, de facão armado?
Atenderias tu a tal chamado?
Não zombes, pois é justo que me alarme
E fuja, indocilmente,
Quando me vêm chamar com tão atraente.
Se visses ao espeto assarem uns falcões,
Como todos os dias
Vejo fazerem aos capões,
Censurar-me, por certo, não virias. 

Jean de La Fontaine

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