Parábola do gato e o rato

Certa feita um gato montês e um rato habitavam a mesma árvore na selva; o rato morava num buraco da raiz e o gato nos galhos, onde se alimentava de ovos de pássaros e de filhotes inexperientes. O gato também gostava de comer ratos, mas este de nosso conto conseguia manter-se fora do alcance de suas garras.
Um dia veio um caçador e armou habilmente uma rede sob a árvore e, naquela noite, o gato ficou preso em suas malhas. O roedor, contente, saiu de seu esconderijo e experimentou um prazer enorme ao andar em volta da armadilha, mordiscando a isca e tirando o máximo proveito daquela situação. 
Logo se deu conta de que dois outros inimigos haviam chegado: um pouco mais acima, entre a escura folhagem da árvore, pousou uma coruja de olhos resplandecentes prestes a lançar-se sobre ele, enquanto que por terra se aproximava, sorrateiramente, um mangusto. O rato, sem saber o que fazer, maquinou com rapidez um surpreendente estratagema. Dirigindo-se ao gato disse-lhe que o libertaria, roendo as malhas, se antes lhe permitisse entrar na rede e abrigar-se em seu colo. Mal o outro concordou, o pequeno animal, aliviado, foi para dentro da rede.
Todavia, se o gato esperava ser salvo de imediato sofreu uma grande decepção, pois o rato aninhou-se confortavelmente em seu corpo, escondendo-se de modo a fugir dos olhares atentos de seus dois outros inimigos; e então, uma vez seguro em seu refúgio, decidiu tirar uma soneca. O gato protestou mas o rato disse que não havia pressa. Ele sabia que poderia safar-se a qualquer instante e que a seu contrariado hospedeiro só restava ser paciente, na esperança de obter a liberdade.
E então, o roedor falou francamente ao seu inimigo natural que iria esperar pelo caçador. Desse modo, o gato também estando ameaçado, não aproveitaria sua independência para apanhar e devorar seu libertador. O felino nada pôde fazer; seu pequeno hóspede cochilou bem no meio de suas garras. O rato esperou tranqüilamente a chegada do caçador e, quando viu o homem aproximar-se para examinar as armadilhas, cumpriu sem risco sua promessa roendo as malhas com rapidez e pulando em sua toca, ao passo que o gato, num salto desesperado, escapuliu e alcançou um galho, livrando-se da morte certa.
Depois que o frustrado caçador afastou-se carregando sua rede inutilizada, o gato desceu da árvore e, aproximando-se à morada do rato, chamou-o docemente, convidando-o para sair e reunir-se ao seu velho companheiro. Disse-lhe que a situação em que se viram envolvidos na noite anterior já havia passado e a ajuda que cada um prestara tão lealmente ao outro, na luta em comum pela sobrevivência, havia consolidado uma união duradoura que apagava todas as diferenças anteriores. Dali em diante, os dois seriam amigos para sempre, baseando-se numa confiança mútua.
Porém, o rato mostrou-se cético e inarredável diante da retórica do gato; recusou-se terminantemente a sair do abrigo seguro em que estava. Uma vez terminada a situação paradoxal que os havia colocado juntos numa estranha e temporária cooperação, não havia palavra que pudesse persuadir o arguto animalzinho a se achegar a seu inimigo natural. Para justificar sua recusa aos galantes mas insidiosos sentimentos do outro, o rato pronunciou a fórmula destinada a servir de moral ao conto. Disse, franca e diretamente:
"No campo da batalha política não existem coisas como uma amizade perdurável".

Autoria desconhecida

Se você conhece a autoria desta fábula, por favor envie-me para que eu possa dar crédito à mesma.
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As moscas

De um pote derramou um delicioso mel, e as moscas acudiram ansiosas a devorá-lo. E era tão doce que não conseguiam parar. Porém, suas patas foram se prendendo no mel e não puderam alçar vôo de novo. 
Já a ponto de se afogar em seu tesouro, exclamaram: 
- Morremos, desgraçadas que somos, por querer tomar tudo num instante de prazer! 

Esopo

Moral da Estória
Toma sempre as coisas mais belas de tua vida com serenidade, pouco a pouco, para que as desfrutes plenamente. Não te vás afogar dentro delas.

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A serpente e a lima

Certo relojoeiro 
Duma serpente a vizinhança tinha. 
(Que péssima vizinha!) 
O réptil, sorrateiro, 
Entra-lhe a loja, em busca de guisado, 
E à mão só vê, para matar a fome, 
Lima d'aço, bem rijo e temperado. 
Morde-a, e, qual avestruz, quer ver si a come. 
A lima então, sem cólera falando 
Diz-lhe: "estulta pareces, 
Deste modo atacando 
Aquilo que conheces 
Ser mais rijo que tu. Antes que possa 
Teu esforço um ceitil me destacar; 
Antes que eu sofra a mais ligeira móssa, 
Has de as presas quebrar. 
Pascacia! Eu temo só do tempo os dentes, 
E não os das serpentes." 
Isto que eu disse aqui, leva endereço 
Aos espíritos vis que tudo investem. 
Bem que, tacanhos, para nada prestem, 
Tudo mordem; têm tudo em menosprezo. 
Quererdes (parvos!) amolgar co'as presas 
Produções imortais do engenho humano, 
É vão esforço insano, 
A mais louca e irrisória das empresas! 
Vossa fúria espumante 
Nem a mais leve brecha lhes imprime; 
Pois todas têm a têmpera sublime 
Do aço fino, do bronze e diamante.

Jean de La Fontaine
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A raposa e o cão


Uma raposa se misturou a um rebanho de ovelhas. Pegou um carneirinho que ainda mamava e fingiu que o acalentava. Um cão lhe perguntou:
- Que estás fazendo?
- Estou fazendo um carinhozinho nele, disse a raposa.
- Se não largares já, já - disse o cão - sou eu que vou te acalentar.

Esopo
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A raposa e as uvas

Contam que certa raposa,
Andando muito esfaimada,
Viu roxos maduros cachos
Pendente de alta latada.

De bom grado os trincaria,
Mas sem lhes poder chegar,
Disse: "estão verdes, não prestam,
Só cães os podem tragar!"

Eis cai uma parra, quando
Prosseguia seu caminho,
E crendo que era algum bago,
Volta depressa o focinho.

Moral da Estória:
Quem desdenha quer comprar.

Jean de La Fontaine
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A gata e Afrodite

Uma gata que se apaixonara por um fino rapaz pediu a Afrodite para transformá-la em mulher. 
Comovida por tal paixão, a deusa transformou o animal numa bela jovem. O rapaz a viu, apaixonou-se por ela e a desposou. 
Para ver se a gata havia se transformado completamente em mulher, Afrodite colocou um camundongo no quarto nupcial. Esquecendo onde estava, a bela criatura foi logo saltando do leito e pôs-se a correr atrás do ratinho para comê-lo.
Indignada, a deusa fê-la voltar ao que era.
Esopo

Moral da Estória:
O perverso pode mudar de aparência, mas não de hábitos.
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O corvo e o jarro

Um corvo que estava sucumbindo com muita sede encontrou um jarro, e, na esperança de achar água, vôou até ele com muita alegria.
Quando o alcançou, descobriu para sua tristeza que o jarro continha tão pouca água em seu interior que era impossível tirá-la de dentro.
Ele tentou de tudo para alcançar a água que estava dentro do jarro, mas todo seu esforço foi em vão.
Por último ele pegou tantas pedras quanto podia carregar, e colocou-as uma-a-uma dentro do jarro, até que o nível da água ficasse ao seu alcance, e assim salvou sua vida.

Moral da Estória:
A necessidade é a mãe das invenções.

Esopo
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O bugio, o lobo e a raposa

Querelou o Lobo da Raposa, dizendo que fizera um furto. Era juiz o Bugio. E a Raposa negou fortemente, disputando ambos diante do juiz e cada um descobriu quantas maldades sabia do outro. 
Depois de o Bugio os ouvir, pronunciou a sentença. dizendo: que o Lobo não provara bem ser-lhe feito furto: mas que ele entendera que a Raposa tinha furtado alguma cousa; portanto, condenava a ambos que ficassem entre si sempre desavindos, e suspeitosos.

Esopo
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A raposa e o esquilo

Dos miseráveis não se deve escarnecer: 
Quem pode assegurar que só feliz vai ser? 
Nas fábulas do sábio Esopo, mais 
De um exemplo nos vem de casos tais. 
Certa história, em vez deles, me parece 
Que lição mais autêntica oferece. 
A raposa do esquilo escarnecia, 
Vendo-o assaltado por feroz tormenta. 
- Eis-te no esquife quase a repousar - dizia - 
Em vão tentas cobrir com a cauda o rosto. 
Quanto mais sobes, mais a borrasca violenta 
A seus golpes fatais te encontra exposto. 
Ter por vizinho o raio e estar sempre na altura 
Quiseste, e foi teu mal. Eu, numa toca obscura, 
Posso rir-me e esperar que sejas feito pó." 
Nossa raposa, enquanto assim se vangloriava, 
Muitos pobres franguinhos devorava 
De uma dentada só. 
Por fim, do irado céu tem o esquilo perdão: 
O relâmpago cessa, emudece o trovão, 
Dissipa-se a tormenta e retorna a bonança. 
E um caçador, havendo descoberto 
Os rastros da raposa, diz: "por certo, 
Meus frangos vais pagar!" 
Numerosos sabujos logo lança, 
Que a vão do seu covil desalojar. 
Vê-a o esquilo fugir, veloz, à frente 
Da matilha que a acossa ferozmente. 
Sentir prazer gratuito poderia, 
Ao se abrirem para ela as portas da agonia; 
Mas, vendo-o, não se ri: na mente 
Traz restos do susto recente.

Jean de La Fontaine
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A formiga e a cigarra

No Inverno tirava a Formiga da sua cova e assoalhar o trigo, que nela tinha, e a Cigarra com as mãos postas lhe pedia que repartisse com ela, que morria à fome. Perguntou-lhe a Formiga:
- Que fizera no Estio, porque não guardara para se manter?
Respondeu a Cigarra:
- O Verão e Estio, gastei a cantar e passatempos pelos campos.
A Formiga então, perseverando em recolher seu trigo, lhe disse:
- Amiga, pois os seis meses de Verão gastaste em cantar, bailar é comida saborosa e de gosto.

Esopo
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O caracol e a roseira

Em volta do jardim havia um bosque de avelãs e mais adiante se estendiam os campos e os prados, nos quais havia vacas e ovelhas; porém no meio do jardim havia uma roseira em plena floração. A seus pés estava um caracol, o qual valia muito, segundo a sua própria opinião. 
- Espere que chegue o meu tempo dizia - farei muito mais do que dar rosas, avelãs ou leite, como as vacas ou ovos como as galinhas. 
- Espero muito de você - respondeu a Roseira - poderei saber quando veremos essas maravilhas que tanto anuncia? 
- Levarei para isso o tempo que achar necessário - replicou o Caracol - você sempre tem tanta pressa em seu trabalho, que não chega a despertar a curiosidade de ninguém. 
No ano seguinte, o Caracol estava quase no mesmo lugar de antes, isto é, ao Sol e ao pé da Roseira; esta estava cheia de botões, que começavam a abrir-se, mostrando umas rosas magníficas, sempre viçosas e novas. E o Caracol, mostrando meio corpo para fora da concha, esticou seus tentáculos e os encolheu novamente, para voltar a esconder-se. 
- Tudo tem o mesmo aspecto do ano passado. Não se vê o mínimo progresso em nenhum lugar. A Roseira está coberta de rosas... Mas nunca fará nada de novo. 
Passou-se o verão e logo após o outono; A Roseira dera rosas lindas, até que começaram a cair os primeiros flocos de neve. 
O tempo ficou úmido e tempestuoso e a Roseira se inclinou até o solo, enquanto o Caracol se escondia dentro da terra. 
Começou novo ano e a Roseira reviveu. O Caracol também apareceu. 
- Você já é uma roseira velha - disse o Caracol - de forma que logo secará. Você já deu ao mundo tudo o que havia dentro de si. E se isso valeu alguma coisa, é assunto que não tenho tempo de examinar; mas o certo é que você não fez nada para o seu aperfeiçoamento, senão teria produzido algo diferente. Pode negá-lo? E agora você se converterá numa vara seca e desnuda. Entende o que digo? 
- Está me alarmando - exclamou a Roseira - nunca pensei nisso. Jamais imaginei o que está dizendo. 
- Não, você não se preocupou muito em pensar em algo. Porém, nunca pensou em averiguar a razão de sua floração, por que você produz flores? E por que motivo o fazia sempre de forma igual? 
- Não - replicou a Roseira - dei flores com a maior alegria, porque não podia fazer outra coisa. O Sol era tão quente e o ar tão bom!... Eu bebia o orvalho e a chuva; respirava... E vivia. Logo me chegava novo vigor da terra, assim como do céu. Experimentava um certo prazer, sempre novo e maior, e era obrigada a florescer. Tal era a minha vida, não poderia fazer outra coisa. 
- Você sempre levou uma vida muito cômoda - observou o Caracol. 
- Na realidade, sinto-me muito favorecida - disse a Roseira - e, de agora em diante, não vou possuir tantos bens. Você possui uma dessas mentes inquiridoras e profundas e de tal maneira é bem dotado, que não duvido de que assombrará o mundo sem demora. 
- Não tenho tal propósito - replicou o Caracol - o mundo não é nada para mim. Que tenho a ver com ele? Já tenho muito o que fazer comigo mesmo. 
- Em todo caso, não temos o dever, na terra, de fazer o que pudermos pelo bem dos demais e de contribuir para o bem comum com todas as nossas forças? Que foi que você já deu ao mundo? 
- Que foi que eu dei? Que lhe darei? Pouco me importa o mundo. Produza as suas rosas, porque sabe que não pode fazer outra coisa; que as avelãs dêem avelãs e as vacas leite. Cada um de vocês possui um público especial; eu tenho o meu, dentro de mim mesmo. Vou entrar dentro de mim e permanecer aqui. O mundo para mim não é nada e não me oferece o mínimo interesse. 
E assim o Caracol entrou em sua casa e se fechou. 
- Que lástima! - exclamou a Roseira - não posso colocar-me num lugar abrigado, por mais que o deseje. Sempre tenho que dar rosas e mudas de roseira. As folhas caem ou são arrastadas pelo vento e o mesmo acontece com as pétalas das flores. 
Em todo o caso, eu vi uma das rosas entre as páginas do livro de orações da dona da casa; outra de minhas rosas foi colocada no peito de uma jovenzinha muito formosa, e outra, enfim, recebeu um beijo dos lábios suaves de um menino, que se entusiasmou ao vê-la. Tudo isso me encheu de felicidade e será uma das recordações mais gratas de toda a minha vida. 
E a Roseira continuou florescendo com a maior inocência, enquanto que o Caracol continuava retirado dentro da sua viscosa casa. Para ele o mundo não valia nada. 
Passaram-se os anos. O Caracol voltou para a terra e a Roseira também; do mesmo modo a rosa seca no livro de orações já desaparecera, mas no jardim floresciam novas rosas e também havia novos caracóis; e se escondiam dentro de suas casas, sem se incomodarem com os outros porque para eles o mundo não representava nada. Teremos que contar também a história deles. Não, porque, no fundo, não se diferenciariam nada daquilo que já contamos.

Hans Christian Andersen
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A andorinha e as outras aves

Semeavam os homens linho, e vendo-os a Andorinha disse aos outros pássaros: 
- Por nosso mal fazem os homens esta seara, que desta semente nascerá linho, e farão dele redes e laços para nos prenderem. Melhor será destruirmos a linhaça, e a erva, que dela nascer, para que estejamos seguras. 
Riram as Aves deste conselho e não quiseram tomá-lo. O que vendo a Andorinha, fez pazes com os homens e se foi viver em suas casas. Eles fizeram redes, e instrumentos de caça, com que tomaram e prenderam todos os pássaros, tirando só a Andorinha, que ficou privilegiada.

Esopo
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O urso e o amador de jardins

Em um bosque solitário
De funda mudez sombria,
Por lei do destino vário
Oculto, um urso vivia.

Podia perder, coitado,
O juízo - vem dele a míngua
Ao que se vê isolado
Sem ter com quem dar à língua.

É muito bom o falar,
O calar-se inda é melhor.
Dos sistemas no abusar
É que se encontra o pior.

Como no bosque recurso
Pra conversar não achava,
Aborreceu-se o nosso urso
Da vida que ali levava.

E enquanto em melancolias
Ia consumindo o alento,
Não longe passava os dias
Um velho em igual tormento.

O velho amava os jardins
Que o capricho Flora esmalta:
Belo emprego, mas dos ruins
Quando um bom amigo falta.

E, cansado de viver,
Com gente que muda nasce,
Meteu-se a caminho, a ver
Se achava com quem falasse.

Ora, quando o velho ia
Saindo para a jornada,
Do bosque o urso saía
Levando a mesma fisgada.

Encontraram-se - era cedo -
E o velho, como é de crer,
Teve medo do urso grande medo
Como teria qualquer.

Mas, por fim, julgando-o manso,
Com ele simpatizou:
"Queres jantar com descanso
No meu lar?" Ele aceitou.

Comeram; d'alma no centro
Nenhum receou perigos;
E ficam portas a dentro
Vivendo os dois como amigos.

O velho as flores regava,
Com que muito se entretinha;
O urso saía, caçava
E abastecia a cozinha.

E tanto afeto exibia,
Embora em maneiras toscas,
Que, quando o velho dormia,
Até lhe enxotava as moscas.

Mas um moscardo maldito
Apareceu, tão ruim,
Que o urso se viu aflito
Pra conseguir o seu fim;

E, de raiva furioso,
Agarra num matacão,
E esborracha o teimoso...
Sobre a tola do patrão!...

A mil iguais fulanejos
Lance a Parca a dura foice:
Querem encher-nos de beijos,
E o que dão, por fim, é coice!


Jean de La Fontaine
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A alma e o coração da baleia

Era uma vez... um corvo muito bobo e convencido que voou para bem longe e foi parar no mar.
Exausto de tanto bater as asas, procurou um lugar para descansar mas não avistou nenhum pedaço de terra no meio de toda aquela água.
"Vou morrer afogado" - suspirou, já sem forças para continuar voando.
Nesse exato momento uma enorme baleia subiu à tona, e o corvo, sem pensar duas vezes, mergulhou naquela bocarra aberta.
Foi parar na barriga da baleia, onde, para seu espanto, deparou-se com uma casa muito limpa e confortável, bem iluminada e quentinha.
Uma jovem estava sentada na cama, segurando uma lanterna.
- Fique à vontade - disse ela amavelmente - mas, por favor, nunca toque em minha lanterna.
O corvo, feliz da vida, prometeu que jamais faria tal coisa.
A moça parecia inquieta. A todo instante se levantava, ia até a porta e voltava a sentar na cama.
- Algum problema? - o corvo perguntou.
- Não... - ela respondeu - é só a vida... a vida e o ar que se respira.
O corvo estava morrendo de curiosidade.
Assim, quando a jovem foi até a porta, resolveu tocar na lanterna para ver o que acontecia. E aconteceu que a moça caiu estatelada na sua frente e a luz se apagou.
O mal estava feito. A casa ficou fria e escura, o cheiro de gordura e sangue deixou o corvo enojado. Inutilmente ele procurou a porta para sair dali e, cada vez mais nervoso, começou a se coçar de tal modo que arrancou todas as penas.
- Agora é que vou morrer congelado - choramingou, tremendo até os ossos.
A moça era a alma da baleia, que a impelia para a porta toda vez que enchia os pulmões de ar.
Seu coração era a lanterna acesa.
Quando o corvo a tocou, a chama se extingüiu.
Agora a baleia estava morta e guardava em seu interior o pássaro intrometido.
Depois de muito chorar e pensar, o corvo finalmente conseguiu sair das escuras entranhas e sentou no dorso daquele imenso defunto.
Ensebado, sujo, depenado, era uma tristíssima figura.
A baleia morta ficou flutuando no mar até que desabou uma tempestade e as ondas a empurraram para a praia.
Quando a chuva parou, alguns pescadores saíram para trabalhar e viram a baleia.
O corvo também os viu e se transformou num homenzinho frio e estropiado.
Então, em vez de confirmar que se intrometera onde não fora chamado e destruíra algo belo que não conseguira compreender, pôs-se a gritar:
- Eu matei a baleia! Matei a baleia!
E assim... se tornou um grande homem entre seus pares.

Neil Philip
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O asno e os sapos

Um dia, há muito tempo, um pobre asno, muito humilde, seguia por uma trilha com uma carga de lenha no dorso. De repente, ao dobrar uma curva no caminho, deu com um charco profundo. 
Desequilibrando-se ao peso da carga, escorregou e foi cair direto no brejo. Apesar de se debater muito, todo aflito, não teve sorte e afundou até o pescoço na lama, por entre um bando de sapos saltitantes. 
- Pobre de mim! - gemeu o asno, e começou a zurrar chorosamente. Depois soltou um longo suspiro, como se seu coração estivesse prestes a partir-se em dois. 
Os sapos pulavam e chapinhavam à volta dele, enquanto o asno afundava cada vez mais no lamaçal. 
Até que um deles se virou para o infeliz animal e disse: 
- Meu amigo, se você faz tanto drama só porque de repente se vê dentro de um brejo, o que não faria se vivesse aqui o tempo todo, como nós? 

Esopo

Moral da Estória
O hábito torna as coisas familiares e fáceis para nós.
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O lírio

Nas verdes margens do rio Ticino um belo lírio mantinha-se reto e alvo em sua haste, mirando o reflexo de suas brancas pétalas na água. A água ansiava possuir o lírio.
A cada ondulação da superfície passava a imagem da linda flor branca. E o desejo da água voltava-se para as ondulações que ainda estavam por vir.
E assim todo o rio começou a estremecer e a correnteza tornou-se rápida e turbulenta. A água não conseguiu arrancar o lírio, que mantinha-se firme no alto de sua forte haste, e então atirou-se furiosamente contra a margem, que foi arrastada pela inundação.
E junto com a margem foi-se a linda e solitária flor.

Leonardo da Vinci
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A raposa sem rabo

Uma ladina Raposa 
Caiu em certa armadilha, 
(Que sempre as tece o Diabo!) 
E foi grande maravilha 
Ficar apenas sem rabo: 

Com tal perda envergonhada, 

De a coonestar busca a idéia; 
E as sócias vendo uma vez 
Juntas em grande assembléia, 
Lhes disse muito cortês: 

- Sabei qu'os cães destes sítios, 

- Qu'há dias tenho encontrado 
- Por esta campina toda, 
- Tem cércio o rabo cortado, 
- Que me faz crer qu'isto é moda; 

- Se é moda (falo-vos sério) 

- Nunca vi cousa mais útil! 
- De que serve dizei vós, 
- Trazermos um peso inútil 
- Pendurado atrás de nós? 

- Um rabalhão gadelhudo, 

- Que nos faz calma no estio, 
- E lá pelo inverno todo 
- Nos dobra, e exaspera o frio 
- Ou cheio de água, ou de lodo? 

- Por tanto eu vos aconselho, 

(E deixemos questões fúteis) 
- Qu'o rabo cortemos todas; 
- Pois quando as modas são úteis, 
- É útil seguir as modas. 

Uma Doutora do rancho, 

Mestra em astúcias antiga, 
Lançando-lhe a vista em roda 
Lhe diz - Ora aposto, amiga, 
- Que tu já usas da moda? 

- Deixa ver, dá meia volta, 

Eis qu'então a derrabada, 
Disfarçar-se não podendo, 
Ao som de grande assoada, 
Dando à gambias foi correndo. 

Que de um delito afrontoso 

Em si o ferrete imprime, 
Com achar parceiros conta; 
Crendo qu'a mancha do crime, 
Sendo usual, pouco afronta.

Jean de La Fontaine
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O camelo bailarino

Obrigado por seu dono a bailar, um camelo comentou: 
- Que coisa! Não só careço de graça andando, mas que dançando sou pior ainda. 

Esopo

Moral da Estória
Usa sempre cada coisa para o propósito com que foi criada.
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A bailarina

Uma patinha estava ensaiando balé ao som de "O Lago dos Cisnes", quando sua colega de equipe a surpreendeu usando uma de suas sapatilhas preferidas...
- Quem lhe deu permissão para usar o que é meu? - perguntou a proprietária, autoritária.
 Ninguém - respondeu humildemente a patinha, retirando as sapatilhas - eu só estava tentando sentir aquilo que você deve sentir quando está diante do público, sentindo o calor das luzes da ribalta...
- Quanta ingenuidade! - exclamou a outra patinha.
- Não pensei que você se zangasse...
Nisso, surgiu o patinho que contracenava com as duas; pondo, assim, fim às divergências.
- O que é meu, é meu. Tenho ciúmes, e pronto - dizia a patinha ofendida. E ficou a grasnar sozinha.
Todavia, o destino lhes havia reservado uma surpresa.
Depois dos ensaios, quando saíam do teatrinho improvisado à beira do lago, a renitente patinha sofreu um acidente, e torceu uma de suas patinhas.
- Ai, que dor! - grasnou a pobrezinha, contorcendo-se toda - ai!... sem que alguém lhe solicitasse, a patinha, que anteriormente era repreendida, foi ao socorro de sua colega, aplicando-lhe, imediatamente, algumas massagens no machucado, fazendo desaparecer aquelas dores horríveis; alegando que tinha feito um curso de enfermagem, e que aprendera a fazer uso de seus conhecimentos...
Foi assim que a outra patinha aprendeu uma grande lição: que todos nós vivemos em função um do outro; que de nada vale alimentarmos sentimentos contrários dos grandes sábios, pois o próximo que um deles se referiu, é todo aquele que vive ao nosso lado: rindo quando sorrimos, chorando quando choramos e sofrendo quando a dor nos visita, sabendo que, no final de tudo, o amor sempre é vitorioso.
Até pareceu-me que aquela patinha conhecia os ensinamentos de Jesus!

Nilson Mello
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O camelo e Zeus

Sentia o camelo inveja dos cornos do touro, e quis obter uns para si. Para isso foi ver Zeus, pedindo-lhe que lhe desse chifres semelhantes. Mas Zeus, indignado de que não se contentara com seu grande tamanho e força, não só lhe negou dar os chifres, mas também lhe cortou uma parte das orelhas. 

Esopo

Moral da Estória
A inveja não é boa conselheira. Quando quiseres melhorar em algo, faz com teu esforço e por teu desejo de progredir, e não porque teu vizinho o tenha.
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O lobo e as ovelhas

Havia guerra travada entre Lobos e Ovelhas; e elas, ainda que fracas, ajudadas dos rafeiros, sempre levavam o melhor. Pediram os Lobos paz, com condição que dariam de penhor seus filhos, e as Ovelhas que também lhe entregassem os rafeiros. 
Assentadas as pazes com estas condições, os filhos dos Lobos uivavam rijamente. 
Acodem os pais, e tomam isto por achaque de ser a paz quebrada; e tornam a renovar a guerra. 
Bem quiseram defender-se as Ovelhas, mas como sua principal força consistia nos rafeiros, que entregaram aos Lobos, facilmente foram deles vencidas, e todas degoladas.

Esopo
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O cisne e seu dono

Se diz que os cisnes cantam apenas antes de morrer. 
Um homem viu à venda um cisne e, havendo ouvido que era um animal muito melodioso, comprou-o. 
Um dia que o homem dava uma festa, vestiu o cisne e implorou que cantasse. Mas o cisne se manteve em silêncio. Porém um dia, pensando o cisne que estava para morrer, forçosamente chorou sua melodia. Ao ouvir, o dono disse:
- Se só cantas quando vais morrer, fui um tolo pedindo que cantasse ao invés de imolar-te.

Moral da Estória:
Muitas vezes sucede que temos de fazer à força o que não queremos fazer de vontade.

Esopo
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O Pinheirinho

No coração da floresta, num recanto bucólico, onde não faltava Sol e ar, vicejava um elegante pinheirinho. Erguiam-se ao seu redor muitos companheiros maiores, pinheiros e abetos, e ele o que mais vivamente desejava era crescer. Não pensava no Sol quente nem no ar fresco, não se importava com os filhos dos camponeses nem com sua conversa infantil, quando passavam para colher morangos e framboesas. Muitas vezes vinham com as vasilhas cheias de frutos ou traziam morangos espetados em colmos; sentavam-se ao lado do pinheirinho e o admiravam. 
"Que arvorezinha bonita!" - diziam. 
Mas a árvore nem queria ouvir aquilo. 
Passado um ano, aumentara em altura, com um longo gomo novo; um ano depois, crescera-lhe outro gomo, ainda maior. Nos pinheiros podem-se contar pelos gomos quantos anos eles têm. 
- Ai, quem me dera ser uma árvore grande, como as outras! - suspirava o Pinheirinho - ai se eu pudesse espalhar meus galhos e contemplar com a minha copa o vasto mundo. Os pássaros viriam construir seu ninho em meus ramos, e com o vento eu poderia menear a cabeça de modo tão imponente como as outras árvores... 
Nada lhe causava prazer, nem o Sol nem os pássaros, nem as nuvens vermelhas que, pela manhã e à noitinha, passavam por cima dele. 
No inverno, quando a neve alvejava por toda a parte, ao redor dele, era comum as lebres virem correndo aos saltos, e passarem, de um pulo, por cima do pinheirinho. Como aquilo o enchia de raiva! Dois invernos se passaram e, no terceiro, ele já era tão grande que as lebres tinham de contorná-lo. Crescer, crescer, ser grande e velho, era a única coisa boa que havia neste mundo, pensava a árvore, era seu supremo anseio. 
Pelo outono sempre vinham os lenhadores e derrubavam algumas das árvores maiores. Isso acontecia todos os anos, e o jovem Pinheirinho, já de bom tamanho, tremia ao ver as grandes e magníficas árvores tombarem por terra, com um grande baque. Os galhos eram decepados, as árvores jaziam depois nuas, compridas e finas, quase irreconhecíveis. Eram colocadas em carroções, e os cavalos as puxavam para fora da mata. 
Para onde iriam? O que as esperava? 
Na primavera, quando chegaram as andorinhas e a cegonha, o Pinheirinho lhes perguntou: 
- Não sabeis, por acaso, para onde as árvores foram levadas? Não as encontrastes? 
As andorinhas nada souberam dizer, mas a Cegonha refletiu, sacudiu a cabeça e disse por fim: 
- Creio que sim. Encontrei muitos navios novos, quando parti do Egito. Nos navios havia soberbos mastros. Creio quase poder dizer que eram elas, pois tinham o aroma do pinheiro. Trago muitas, muitas lembranças delas. Elas vão bem, erguem a cabeça, altivas. 
- Ah! Tomara que eu já seja bastante grande para andar sobre o mar. Como é, afinal de contas, esse mar? A que se assemelha ele? 
- Isso é muito complicado de se explicar - disse a Cegonha. 
E foi-se embora. 
- Alegra-te com tua juventude - disseram os Raios do Sol - alegra-te com teu viço, com a vida jovem que tens dentro de ti! 
O Vento beijou o Pinheirinho, o Orvalho chorou lágrimas sobre ele, mas nada disso ele compreendia. 
Pela época do Natal, eram derrubadas árvores novas, algumas até menores ou de menos idade que a do irriquieto Pinheirinho, que não tinha paz de espírito, que sempre sonhava sair do lugar onde estava. Essas jovens árvores, sempre as mais bonitas, conservavam os seus galhos, e eram deitadas nas carroças, que os cavalos puxavam para fora da mata. 
- Para onde irão? - perguntou o Pinheirinho - não são maiores do que eu. Havia até uma que era bem menor. Por que ficam com todos os galhos? Para onde são levadas? 
- Nós sabemos! Nós sabemos! - gorjearam os Pardais - lá embaixo, na cidade, espiamos através das vidraças. Sabemos para onde elas vão. Elas terão o maior brilho e esplendor que se pode imaginar. Olhamos pelas janelas e vimos que elas são plantadas no meio da sala, num lugar aconchegante, e enfeitadas com as coisas mais lindas: maçãs douradas, bolos de mel, brinquedos e muitas centenas de velas acesas. 
- E depois? - perguntou o Pinheirinho, tremendo todos os ramos - e depois? Que acontece depois? 
- Bem... Mais nós não vimos. Era, porém, uma beleza! 
Será que também me espera esse brilhante destino? - exultou a árvore - é melhor ainda que andar por cima do mar. Sofro tanto de saudades! Tomara que já fosse Natal! Agora sou alta, crescida como as outras, que foram levadas no ano passado. Quem me dera já estar em cima do carro! Estar na sala aquecida, com toda beleza e esplendor... E depois? Depois deve vir alguma coisa ainda melhor, ainda mais bonita. Por que então haveriam de enfeitar-me assim? Deve vir alguma coisa ainda mais grandiosa, ainda mais brilhante. Nem mesmo eu sei o que há comigo... 
- Alegra-te conosco! - disseram o Ar e a Luz do Sol - alegra-te por seres jovem e viveres cá fora, ao ar livre! 
Mas a arvorezinha não se alegrava. Crescia, crescia sempre. Era verde no inverno e no verão, verde escura, a cor do viço. 
"Que bela árvore" - comentavam todos que a viam na mata. 
Ao aproximar-se o Natal, foi a primeira a ser derrubada. Num talho profundo, o machado cortou-lhe o caule. Com um gemido, a árvore caiu por terra. Sentiu uma dor aguda, um desfalecimento, nem pôde pensar em qualquer felicidade futura. Estava triste por ter de afastar-se do recanto onde nascera, pois sabia que nunca mais iria ver os velhos e queridos camaradas, os arbustos e flores que estavam em seu redor, talvez nem os pássaros. A partida nada teve de agradável. 
A árvore só voltou a si num quintal, onde foi descarregada, com outras árvores, ao ouvir um homem dizer: 
- Está é muito bonita. Basta esta. Não precisamos de outras. 
Vieram dois criados em uniforme de gala, e carregaram o Pinheirinho para o interior de uma grande e luxuosa sala. Pelas paredes pendiam retratos, e na lareira de azulejos viam-se grandes vasos chineses, com leões na tampa. Havia cadeiras de balanço, sofás estofados de seda, amplas mesas cheias de livros de figuras e brinquedos, no valor de centenas e centenas de tálers. Pelo menos era o que diziam as crianças. O Pinheirinho foi posto de pé num grande vaso cheio de areia, mas não dava para ver que era um vaso, pois foi ele revestido de pano verde, em toda a superfície, e colocado sobre um enorme tapete colorido. Como a árvore tremia! O que estaria para vir? O que a aguardava? 
Os criados e as moças da casa a enfeitaram. Nos ramos penduraram saquinhos recortados de papel colorido, cheios de bombons. Maçãs e nozes douradas pendiam dos ramos, como se fossem frutos da árvore. E mais de cem velinhas, vermelhas, azuis e brancas, foram fixadas em todos os galhos. Bonecas, que pareciam vivas, como gente de verdade - a árvore nunca vira antes bonecas assim - espiavam dentre os ramos verdes, e bem no topo foi colocada uma grande estrêla dourada. Era magnífico, esplendido. 
- Hoje à noite - disseram todos - o Pinheirinho vai brilhar. 
- Tomara que já anoiteça - disse a árvore - e que as luzes não tardem a acender-se! O que acontecerá então? Virão árvores da mata para ver-me? Os pardais virão espiar junto a vidraça? Crescerei aqui com raízes? E passarei enfeitada o verão e o inverno? 
Que sabia ela? A casca doía-lhe de saudades, e dor de casca numa árvore é tão incômoda como a dor de cabeça para nós. 
As velas foram acesas. Que brilho, que esplendor! A árvore tremia todos os galhos. De tanto tremer, uma das velas incendiou um ramo verde. 
- Deus nos acuda! - gritaram as moças. 
E depressa apagaram o fogo. 
A árvore não se atreveu mais a tremer. Era horrível. Tinha medo de estragar os seus enfeites. 
E ficou toda aturdida em meio àquele esplendor. De súbito, a porta se abriu e um bando de crianças precipitou-se pela sala adentro, como se quisessem botar abaixo a árvore. Os adultos vieram atrás, mas vinham devagar. As crianças ficaram um momento em silêncio. Mas, de repente, recomeçaram as demonstrações de jubilo, que reboavam por toda a casa. Dançaram ao redor da árvore, e um presente depois do outro foi colhido dos seus ramos. 
"Que será que estão fazendo!" - dizia a árvore - "que irá acontecer?" 
As velas arderam até chegarem aos ramos, e, à medida que iam se consumindo, eram apagadas. Por fim, as crianças obtiveram permissão de tirar todos os enfeites da árvore. Atiraram-se a ela com ímpeto. Os ramos estalaram, e se ela não estivesse presa ao teto pela estrêla dourada do topo, teria tombado. 
As crianças dançaram ao redor, com os brinquedos e presentes nas mãos. Ninguém mais olhava para a árvore. Só a velha ama-seca remexia ainda entre os ramos, mas só para ver se lá não haviam esquecido um figo ou uma maçã. 
- Uma história! Uma história - clamaram as crianças, e puxaram em direção à árvore um homenzinho gordo, que acabou por sentar-se bem embaixo dela. 
- Assim é como se estivéssemos em pleno verdor da mata - disse ele - e também a árvore aproveitará para ouvir. Mas contarei uma única história. Uma só! Querem ouvir a de "Ivete-Avede" ou a de "Sem-Jeito, que rolou pelas escadas abaixo e, apesar disso, alcançou o trono e casou-se com a princesa?" 
- "Ivede-Avede!" - gritaram uns - "Sem-Jeito!" - gritaram outros. 
Houve verdadeira gritaria, e só o Pinheiro manteve-se mudo, pensando: 
"Na verdade, não tomarei parte nisso; nem mesmo nada farei" - pensava. 
Ele já tomara parte no que devia tomar, já fizera o que tinha de fazer. 
O homem propôs a história de "Sem-Jeito, que rolou pelas escadas abaixo e, apesar disso, alcançou o trono e casou-se com a princesa." 
- Conta! - gritaram as crianças, batendo palmas - conta! 
Queriam ouvir também a história de "Ivete-Avede", mas o homem só contou a de "Sem-Jeito". 
O Pinheirinho ficou calado e pensativo. Nunca os pássaros, lá fora, na mata, haviam contado coisas assim. "Sem-Jeito rolou pelas escadas e, apesar disso, casou-se com a princesa..." - pensou o Pinheirinho. 
Era isso mesmo, assim era o mundo... O Pinheirinho acreditava que a história fosse verdadeira, por ser tão simpático o homem que a contava. É... Nunca se pode saber! Também eu posso cair pelas escadas abaixo e casar-me com uma princesa. E o Pinheirinho pensou com alegria no dia seguinte, quando, acreditava, seria de novo enfeitado com luzes e brinquedos, ouro e frutas. 
"Amanhã não hei de tremer" - decidiu - "hei de sentir sincero prazer com todo o meu esplendor. Amanhã tornarei a ouvir a história de 'Sem-Jeito' e talvez a de 'Ivete-Avede'." 
E a árvore passou toda a noite muda e pensativa. 
Pela manhã entraram o empregado e a criada. 
"A festa vai começar de novo" - supôs a árvore. 
Em vez disso, porém, carregaram-na para fora da sala, escadas acima, até o sótão. 
"Que quererá dizer isso?" - pensou a árvore - "que terei eu vindo fazer aqui? Que irei ouvir?" 
Encostou-se à parede, pensando, pensando sempre. 
Teve tempo de sobra para pensar. Sucederam-se os dias e as noites, sem que alguém subisse até lá. 
Quando, finalmente, apareceu uma pessoa, foi para colocar num canto umas grandes caixas. A árvore ficou escondida. Devia-se crer que fora completamente esquecida. 
"Agora é inverno lá fora" - pensou a árvore - "a terra está dura e coberta de neve. O homem não pode plantar-me. Deve ser por isso que terei de ficar abrigada aqui até a primavera. Bem imaginado isso! Como são bons os homens... Melhor seria se aqui não fosse tão escuro e tão horrivelmente solitário. Por aqui não passa sequer uma pequena lebre. Como era divertido lá na mata, quando a neve tudo cobria e a lebre vinha correndo, aos saltos. Era bom até quando saltava por cima de mim. Eu é que naquele tempo não o soube apreciar. Aqui em cima a solidão é tão triste..." 
- Qui-qui-qui! - disse um pequenino Camundongo, aparecendo naquele momento, logo seguido por outro. 

Farejaram a árvore e saltitaram entre seus ramos. 
- Faz um frio tremendo! - disseram os camundongos - se não fosse isso, aqui seria ótimo! Não achas, velho Pinheiro? 
- Não sou nada velho - respondeu o Pinheirinho - há tantos muito mais velhos do que eu... 
- De onde vens? - perguntaram os camundongos - e o que sabes? - eram de uma curiosidade irresistível - conta-nos a respeito do lugar mais lindo da terra, se é que lá estiveste. Estiveste na despensa, onde há queijos nas prateleiras e presuntos dependurados no teto, onde se dança em velas de sebo, onde se entra magro e se sai gordo? 
- Não conheço esse lugar - disse a Árvore - mas conheço a mata, onde brilha o Sol e cantam os pássaros. 
E o Pinheirinho contou-lhes toda a história de sua juventude. Os camundongos nunca tinham ouvido antes falar em coisas assim, e escutaram, atentos. 
- Quanta coisa viste! - disseram - como foste feliz! 
- Eu, feliz... - disse o Pinheirinho. Mas refletiu sobre o que ele mesmo acabara de contar e acrescentou: 
- Sim, sim... Pensando bem, foram bons tempos aqueles... - e passou a falar da noite de Natal, quando fora enfeitado com balas e velas. 
- Oh! - exclamaram os camundongos - como foste feliz, velho Pinheiro! 
- Não sou nada velho - repetiu o Pinheirinho - foi neste inverno que vim da mata. Estou na melhor idade; apenas comecei a crescer. 
- Como sabes contar bem! - disseram os camundongos. 
Na noite seguinte voltaram trazendo em sua companhia mais quatro pequenos camundongos, para que ouvissem a árvore contar a sua história. 
Quanto mais ela contava, tanto mais nitidamente se recordava de tudo e pensava: 
"Eram tempos bem felizes aqueles... Mas os bons tempos podem voltar, por que não? Sem-Jeito caiu da escada e, apesar disso, casou-se com a princesa. Talvez também eu possa vir a desposar uma princesa." - e o Pinheirinho lembrou-se de uma pequena e graciosa bétula que crescia na mata, e que parecia uma verdadeira princesa 
- Quem é Sem-Jeito? - perguntaram os camundongos. 
O Pinheirinho contou toda a fábula. Lembrava-se de cada palavra. Os camundongos acharam tanta graça que estavam a ponto de pular até o topo da árvore. 
Na noite seguinte, vieram muitos camundongos; e, no domingo, até dois ratos. Eles disseram que a história não era engraçada, o que entristeceu os pequenos camundongos, que daí por diante também gostaram menos dela. 
- O sr. só conhece essa única história? - perguntaram os ratos. 
- Só essa - respondeu a Árvore - ouvi-a na minha noite mais linda, mas não pensei então quanto eu era feliz. 
- É uma história muito sem graça. Não conhece nenhuma em que entrem toucinho e velas de sebo? Nenhuma história que se passe numa despensa? 
- Nenhuma! - disse a Árvore. 
- Então, muito obrigado! - disseram os ratos, e foram cuidar da vida. 
Por fim, também os camundongos não apareceram mais, e a árvore suspirou entristecida. 
"Era tão bom quando os camundongos me rodeavam para ouvir a minha história. Agora também isso acabou. Mas tratarei de me divertir quando me tirarem outra vez daqui." 
Mas, quando seria isso? 
Finalmente, porém, chegou o dia. Pela manhã, bem cedo, subiu gente ao sótão, e remexeram entre os velhos trastes ali amontoados. Os caixotes foram mudados de lugar, a Árvore foi retirada. Jogaram-na sem cuidado ao chão, e logo um homem pegou-a e a arrastou em direção à escada, onde brilhava a luz do dia. 
"Agora a vida começa de novo" - pensou a Árvore. 
Sentiu o ar fresco, o primeiro raio de Sol e, um instante depois, estava fora, no quintal. Tudo se passou tão depressa que a Árvore se esqueceu até de olhar para si mesma, pois havia muita coisa a ver ali. O quintal limitava-se com um jardim, onde tudo estava em flor. As rosas pendiam, frescas e perfumadas, por cima da grade. As tílias floresciam e as andorinhas voavam em redor delas, sem ligarem para o Pinheiro. 
- Agora hei de viver! - exultou, porém, o Pinheirinho, abrindo largamente os galhos. 
Coitados, estavam todos murchos e amarelos. E ele estava deitado a um canto, entre urtigas e ervas daninhas. Ainda ostentava na ponta a estrêla de papel dourado, que brilhava aos raios do Sol. 
No quintal brincavam algumas das crianças alegres que na noite de Natal haviam dançado ao redor da Árvore e se divertido muito. Uma das menores aproximou-se e arrancou a estrêla de ouro. 
- Olhem o que ainda está nesta velha e feia árvore de Natal! - disse ele, e pisou nos galhos, que estalaram sob suas botinas. 
A Árvore viu toda aquela profusão de flores e plantas viçosas no jardim, e viu a si mesma. Desejou ter ficado em seu canto escuro, no sótão. Recordou sua juventude na mata, a alegre noite de Natal, e os camundongos, que com tanto prazer tinham escutado a história de Sem-Jeito. 
- Acabou-se... Acabou-se tudo... - disse a pobre Árvore - quem me dera ter me divertido enquanto ainda era tempo! Agora tudo está acabado... 
Chegou o criado e picou a árvore em pedacinhos. Deu um bom feixe de lenha, que ardeu em vivas chamas, sob um grande tacho. A Árvore gemeu profundamente, e cada gemido dela era como um pequeno estalo. Ouvindo os estalos, as crianças que brincavam na rua vieram correndo e sentaram-se em frente ao fogo. 
- Pum! Pum! - exclamavam a cada estalo. 
A Árvore, porém, a cada gemido, pensava num dia de verão na mata, numa noite de inverno lá fora, quando as estrêlas brilhavam, pensava na noite de Natal e em Sem-Jeito, única história que ouvira e soubera contar. Um momento depois o fogo a devorou por completo. 
Os meninos brincavam no quintal e o menor deles colocou no peito a estrêla de ouro que a Árvore ostentara em sua noite mais feliz. A noite findara-se, acabara-se tudo, toda a ventura e a própria Árvore, e também a história aqui se acaba, como se acabam todas as histórias.

Hans Christian Andersen
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A língua e os dentes

Era uma vez um menino que tinha o mau hábito de falar mais que o necessário. 
- Que língua! - suspiraram os dentes certo dia - nunca fica parada, nunca sossega! 
- Por que é que vocês estão resmungando? - perguntou a língua em tom arrogante - vocês, os dentes, são meros escravos, e seu trabalho resume-se em mastigar o que eu decidir. Não temos nada em comum, e não permitirei que vocês se metam em meus negócios. 

E então o menino continuou falando, algumas vezes de maneira imprópria, e sua língua sentia-se muito feliz, aprendendo novas palavras a cada dia. 
Porém um dia o menino comportou-se mal e permitiu à sua língua contar uma grande mentira. Os dentes obedeceram ao coração, fecharam-se e morderam a língua. 
A partir desse dia a língua tornou-se tímida e prudente, e passou a pensar duas vezes antes de falar.

Leonardo da Vinci
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O casamento do Sol

Dizem que em certo tempo desejou o Sol de se casar, e todas as gentes, agravadas disso, se foram queixar a Júpiter, dizendo:
- Que no Estio trabalhosamente sofriam um Sol, que com seus raios os abrasava, donde inferiam e provavam, que se o Sol casasse e viesse a ter filhos, queimaria o mundo todo; porque um Sol faria Verão calmoso na Índia, outro em Grécia, outro na Noruega e terras setentrionais; pelo que sendo todas as três zonas tórridas, não teriam as gentes onde viver.
Visto isto por Júpiter, mandou que não casasse.

Esopo
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O cisne e seu dono

Se diz que os cisnes cantam apenas antes de morrer. 
Um homem viu à venda um cisne e, havendo ouvido que era um animal muito melodioso, comprou-o. 
Um dia que o homem dava uma festa, vestiu o cisne e implorou que cantasse. Mas o cisne se manteve em silêncio. Porém um dia, pensando o cisne que estava para morrer, forçosamente chorou sua melodia. Ao ouvir, o dono disse:
- Se só cantas quando vais morrer, fui um tolo pedindo que cantasse ao invés de imolar-te.

Moral da Estória:
Muitas vezes sucede que temos de fazer à força o que não queremos fazer de vontade.

Esopo
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Os namorados


O Pião e a Bola achavam-se numa gaveta, junto com outros brinquedos, e o Pião disse a Bola:
- Não vamos ser namorados, já que estamos juntos na mesma gaveta?
A Bola, porém, feita de marroquim, e tão vaidosa como uma senhorita elegante, nem resposta quis dar a semelhante pergunta.
No dia seguinte, veio o menino, dono dos brinquedos. Pintou o Pião de vermelho e amarelo, e pregou-lhe bem no centro um prego de latão. Era muito bonito quando o Pião girava.
- Olhe para mim - disse o Pião à Bola - que diz você agora? Não vamos então ser namorados? Servimos muito bem um para o outro: você pula e eu danço. Ninguém poderá ser mais feliz que nós dois.
- É o que o senhor pensa - disse a Bola - certamente não sabe que meu pai e minha mãe foram chinelos de marroquim, e que tenho dentro de mim uma cortiça.
- E eu sou feito de mogno - disse o Pião - o próprio prefeito me torneou em seu torno, o que lhe deu um grande prazer.
- Se eu pudesse acreditar nisso! - disse a Bola.
- Quero nunca mais ver uma fieira em toda a minha vida se for mentira o que eu disse - respondeu o Pião.
O senhor advoga bem a própria causa - disse a Bola - mas não posso namorar. Estou quase comprometida com um sr. Andorinha. Cada vez que subo ao espaço, ele põe a cabeça fora do ninho e pergunta:
"Quer? Quer?"
Ora, eu intimamente já disse que sim, o que equivale a um meio compromisso. Mas lhe prometo que nunca o esquecerei!
- E isso vai adiantar muito! - disse o Pião.
E nada mais disseram.
No dia seguinte vieram buscar a Bola. O Pião viu como ela subia a grande altura, como um pássaro, desaparecendo de vista. Voltava todas as vezes, mas dava um grande salto cada vez que tocava o chão. Devia ser por causa das saudades, ou por causa da cortiça que ela tinha dentro dela. A nona vez a Bola subiu ao alto, e não mais voltou. O menino procurou muito, e nada: a Bola sumira.
- Bem sei onde ela está - suspirou o Pião - está no ninho do sr. Andorinha e com ele se casou.
Quanto mais o Pião pensava naquilo, tanto mais se apaixonava pela Bola. Por não poder tê-la, seu amor por ela aumentava. O fato de ter ela ficado com outro, tornava o caso mais apaixonante. O Pião dançava ao redor e zunia, mas sempre pensava na Bola, que em seus pensamentos se foi tornando cada vez mais bonita. Passaram-se assim muitos anos e o amor do Pião transformou-se num velho sonho.
O Pião não era mais moço. Um dia, porém, foi inteiramente pintado de dourado. Nunca fora antes tão bonito. Era agora um Pião de Ouro, e pulava, deixando um zunido pairando no ar. Aquilo sim, era formidável! Mas de repente ele saltou alto demais - e sumiu.
Procuraram por toda a parte, até na adega, mas nada de aparecer o Pião.
- Onde estaria ele?
Pulara para dentro da barrica de lixo, onde jaziam amontoados talos de couve, cisco e entulho caído da calha.
"Estou bem arrumado" - pensou o Pião - "aqui a douração não tardará a sair de mim. E que gentalha é essa em cujo meio vim parar!" 
Olhou de esguelha para um longo talo de couve e para um estranho objeto redondo, que parecia uma maçã velha. Mas não era uma maçã. Era uma velha Bola que durante muitos anos estivera caída na calha, embebida de água.
- Graças a Deus, aí vem alguém com quem se pode falar - disse a Bola ao ver o Pião Dourado - eu, para falar a verdade, sou de marroquim, costurada pelas mãos de uma gentil senhorita, e tenho uma cortiça dentro de mim. Mas duvido que se veja isso agora. Eu estava prestes a casar-me com uma andorinha quando caí na calha, e ali estive por cinco anos, encharcada de água. É um longo tempo, pode crer, para uma jovem.
O Pião não respondeu. Pensava em sua antiga namorada, e quanto mais a ouvia, tanto mais certo estava de que era ela.
Nisto chegou a criada e quis virar a lata de lixo.
- Oh! Aqui está o Pião Dourado! - disse ela.
E o Pião retornou à sala, à antiga posição de respeito, mas da Bola nada mais se ouviu. O Pião nunca mais falou em seu antigo amor. 
O amor se extingue quando a amada passa cinco anos numa calha, embebendo-se de água. Nem a conhecem mais quando a encontram na lata de lixo.


Hans Christian Andersen
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